Tudo começou depois de uma sugestão do jornalista Samy Adghirni, ex-correspondente da Folha no Irã. Não consegui fazer na minha primeira vez em Teerã, mas decidi que não perderia a chance na segunda visita.
Não perdi e fiz até mais.
A sugestão do Samy – percorrer de ônibus a Avenida Valiasr, na capital iraniana, de sul a norte, de ponta a ponta – ganhou um extra muito melhor: caminhar por todos os seus 18 km no sentido contrário.
Um passeio longo e que exige no mínimo um dia inteiro de um turista de passos rápidos, mas que é dos mais incríveis de se fazer por lá.
Simplificando muitíssimo uma megalópole de 12 milhões de habitantes, podemos dizer que a capital dos iranianos é dividida em duas partes: sul e norte.
O sul, onde também fica o centro (não o geográfico, mas o histórico e comercial), é a região mais antiga e também a mais pobre e mais religiosamente conservadora.
Já o norte, ao pé da linda cordilheira Alborz, numa altitude um pouco maior do que o sul e alguns graus centígrados abaixo na temperatura, é a região mais moderna, rica e religiosamente aberta. É de onde saíram a maioria das fotos de iranianos comemorando o acordo nuclear com Estados Unidos e potências, por exemplo.
Essa diferença entre as duas regiões é a grande atração da Avenida Valiasr.
Como ela vai de um extremo a outro, um único passeio por toda a sua extensão mostra muito bem esses contrastes, como num degradê: no sul, prédios baixos e decaídos, manutenção precária, mulheres vestindo chadores pretos, homens de barba cerrada, lojas populares e restaurantes simples; no meio do caminho, uma mistura de tudo; e no norte, prédios novos e altos, mulheres com roupas coloridas, véus que praticamente deixam o cabelo inteiro à mostra, homens com pinta de hipster, lojas requintadas e de grifes caríssimas, restaurantes sofisticados, árvores lindas e iluminação especial à noite.
Mas ver tudo isso apenas de dentro de um ônibus, como na ideia original do Samy Adghinri, é perder a chance de entrar naquelas diferenças, de caminhar por elas, de fazer fotos. Sem falar que passa muito rápido.
Por isso, quando cheguei no norte, no fim da linha da minha viagem, feita em um ônibus biarticulado e com ar-condicionado, que passou quase todo o trajeto em um corredor exclusivo, achei que deveria caminhar tudo de volta, aproveitando o fato de que, naquele sentido, a Valiasr é uma grande descida.
E fui.
Passei por boulevards, praças e parques maravilhosos, cheios de iranianos se divertindo ou descansando. Vi grafites e esculturas que poderiam estar em qualquer das cidades mais modernas do mundo. Visitei centros comerciais pequenos e shoppings centers enormes. Passei por prédios públicos, hospitais, um teatro, cinemas (de rua!) e casas e mansões antigas lindíssimas. Almocei, lanchei e tomei chá em restaurantes e lugarzinhos charmosos que muita gente não imagina que existam em Teerã.
Tudo isso com a ótima sensação de percorrer a pé não apenas uma avenida histórica, mas também a maior avenida do Oriente Médio. Uma obra do tirano xá Reza Pahlvevi, pai do outro xá Reza que foi chutado do trono pelos aiatolás.
Quando ordenou a construção da Valiasr, lá pelos anos 1920, a intenção de Reza Pahlevi era criar uma ligação rápida e direta entre o seu complexo de palácios, no norte, e a estação ferroviária, no sul.
No início, a via ganhou o nome óbvio de Rua Pahlevi, mas mudou depois da revolução de 79 e, depois de mais uma mudança, acabou com nome atual, em homenagem ao último dos imãs xiitas.
Hoje, os governantes de Teerã querem que a avenida vire Patrimônio Cultural da Humanidade, da Unesco. Torço para que consigam logo. Talvez assim ela seja preservada, já que, mesmo com toda a sua história e importância, uma das maiores atrações da Valiasr vem sendo destruída aos poucos pelo tempo, por lojistas em busca de visibilidade e também por planos de ampliação da rua: das 15 mil árvores plantadas pelo xá para embelezar a sua avenida, hoje existem apenas algo em torno de 7 mil.
Não espere pela sua segunda visita a Teerã para caminhar pela Valiasr.
Como chegar no norte e no sul da Valiasr
Se você quiser fazer como eu fiz (pegar o ônibus no sul, para depois descer tudo a pé), vá até a estação de metrô Rahahan (linha 3). Saindo dela, os ônibus estão logo em frente, numa parada grande.
Mas se você quiser fazer tudo no sentido contrário (de norte a sul) ou se quiser apenas descer a Valiasr a pé, pode pegar o metrô até a estação Tajrish (linha 1). Saindo dela, suba pela grande avenida em frente, até achar uma rotatória. Ali é a Praça Tajrish. Os ônibus ficam no lado esquerdo da calçada, junto da entrada do bazar.
Qual ônibus pegar?
Muitos ônibus passam pela Valiasr, mas os que percorrem toda a extensão da avenida têm escrito “Tajrish Terminal” e “Rah Ahan Sq.” na frente. Para garantir, pergunte ao motorista ou ao cobrador (que fica na porta). Ele provavelmente não vai falar inglês, mas se você falar “Tajrish?” para ele, certamente vai receber um “sim” ou um “não”.
Quanto custa a passagem?
Uma miséria. Algo como 15 centavos de dólar e você paga ao cobrador na saída. Se por acaso não houver cobrador, vá até o motorista e pague para ele. Todos fazem isso. Por favor, não me envergonhe tentando escapar sem pagar.
Os ônibus são bons?
Sim, muito bons – ao menos os que fazem toda a extensão da avenida, porque existem outros em estado deplorável. Eles têm ar-condicionado e andam suavemente.
O ônibus fica muito cheio?
No meio do caminho, sim. Mas se você pegar lá no início, ele vai estar vazio e você vai poder escolher um bom lugar.
Homens precisam ficar separados das mulheres?
Homens sozinhos ficam na parte dos fundos do ônibus. Já mulheres sozinhas ficam na parte da frente. Casais podem ir em qualquer parte, sem problemas.
Dicas gerais
– Reserve um dia inteiro para fazer o que eu fiz. Saia do hotel cedinho para pegar o ônibus e esteja preparado para voltar só no fim da tarde.
– Se você cansar ou tiver que parar em algum momento, lembre-se de que sempre dá para voltar no dia seguinte ao mesmo ponto onde você parou e seguir caminhando.
– Se você estiver cansado no final da caminhada, pode cortar as últimas quadras da parte sul. Chega um momento em que tudo começa a ficar igual naquela área e não vale se sacrificar para completar o percurso.
– Guarde a sua câmera fotográfica entre a ruas Jami e Eman Khomeyni, no sul. Ali existe algo que não consegui identificar, mas é proibido fazer fotos. Não fotografei nada, apenas passei com a câmera na mão, mas foi o suficiente para um guarda me parar e pedir para ver minhas imagens.
– Dê um jeito de voltar ao norte da Valiasr à noite, quando as luzes das árvores estão ligadas e quando casas de chá e restaurantes estão cheios. A avenida fica ainda mais bonita e interessante. Para fazer isso, pegue o metrô até a estação Tajrish (linha 1) ou um ônibus que vá até lá.
Comentários
Boa tarde Gabriel!
Sou simplesmente fã do seu site, inclusive, sempre que há pertinência, vivo fazendo propaganda do seu trabalho.
Sou louco pra visitar o Irã, já fiz inúmeros planos, busquei muita coisa na rede (sendo que o melhor material é o seu), mas sempre me pego em perguntas básicas como: como você andava vestido lá? É restrito o uso de camiseta ou bermuda por lá? Outra coisa já sempre esbarro é na questão da hospedagem, existe algum hostel ou hospedaria legal bem localizada que você recomendaria?
Estou pensando em ficar 5 dias em Teerã, casando com uma viagem que farei para Turquia em abril do ano que vem…
Adoraria fazer o seu curso, mas moro em Vitória, de maneira que ficaria demasiado dispendioso ter que viajar para fazê-lo.
De toda sorte, continuo no seu encalço com os mais sinceros votos de sucesso.
Forte abraço!
Oi, Pedro! Muitíssimo obrigado pela audiência! =)
As respostas para as suas questões estão neste post: https://sundaycooks.com/guia-dicas-viagem-ira-iran/
Abraço!
Belo relato. Jamais imaginei que Teerã existisse. Ainda menos que fosse tão bonita.
Belas fotos!Passeamos contigo,novamente. Parabéns!
Lida as fotos! Deu muuuita vontade de conhecer! =)
Sao Foto bem feita e muito interessantes.. Parabem
Gabriel
Parabens pelo trabalho! de verdade! dentro de 1 mês embarco para minha aventura Volta ao Mundo e com certeza o Ira esta no meu roteiro. Em Maio estou indo para la! valeu pelas dicas e obrigada por me mostrar que esse país é maravilhoso. Muito ansiosa para ver e descobrir tudo isso…
grande abraco
Não tinha visto esse teu post. Fico muito contente por ter incentivado o passeio.
Você me incentivou a fazer muitas coisas no Irã, Samy, inclusive a visitar o país. Só tenho a agradecer por tudo, sempre. =) Abraço!
Oi Gabe.
Eu sou iraniano e estou estudando portugues há 3 meses. Gosto muito ler o seu relatorio sobre o Irã. Muitas boas fotos tambem. Parabéns.
Aprendei muito de seu post mas não sei se voce foi pelo Darband ou Darakeh no norte da Teerã. Super divertido.
Eu quero salientar que o viagem no Irã é muito facil e que a gente esta disposta para ajudar aos turistas.
Quero fazer un viagem pelo Brasil no 2019 com a minha mulher para descobrir o seu país.
Abraço
Ali
Oi, Ali! Sempre me sinto honrado quando recebo comentários e elogios de iranianos! Obrigado! =)
Eu fui para Darband, sim! Mas fiquei apenas nos restaurantes logo no início, não deu para subir muito. Acho que deve ser fantástico ir mais para cima!
Para Darakeh, infelizmente não deu tempo… =(
Saudades do Irã!
Abraço!