NADA PARA FAZER
10 de outubro de 2013
Meus novos amigos se levantam cedo. Pudera: o café da manhã que o barco oferece gratuitamente (pão e margarina) vai das 6h às 7h30. Quem não aproveita fica com fome ou compra algo no bar ou paga R$ 5 pelo “café da manhã especial”, que vai das 8h às 9h.
Além do café grátis, outro motivo para o pessoal levantar cedo é a hora em que o mesmo pessoal dorme. Ontem, não eram nem 9h30 da noite e muitas redes já estavam embalando seus donos. Até o bar fecha às 11h, encerrando um dia inteiro de música ininterrupta e alta, que toma conta de todo o barco.
O início promissor do primeiro dia se confirmou e continuo conhecendo pessoas e histórias – mas não vou contar todas aqui, porque precisaria de muito mais espaço. Já ando pelos corredores do barco cumprimentando homens, mulheres e crianças, e já sei um pouco da vida de muitos deles. Não tem como ser diferente: estamos todos em um barco não muito grande, cruzamos por entre nós mesmos várias vezes. Precisa ser muito bicho do mato para não fazer amizades aqui.
Até ontem eu achava que as pessoas eram a maior atração desta viagem, mas hoje descobri que não são. Certamente elas são a atração mais bonita e emocionante, mas existe outra que compete em tamanho com ela: a total e absoluta falta do que fazer o dia inteiro.
Simplesmente não há saída. Aqui, você não faz nada, não tem nenhum compromisso com nada. Telefone, só perto das cidades onde o barco faz paradas. Internet? Nem cheiro dela. Essa viagem é uma clínica de desintoxicação para workaholics e viciados no mundo digital. Ou o paraíso para quem detesta a vida agitada e as redes sociais.
Os únicos passatempos são a leitura, o jogo de cartas, a conversa, o sono, a observação da paisagem, a fotografia e a encheção de cara (que acaba virando conversa ou sono). A rotina só é quebrada por dois momentos: as paradas nas cidades para o sobe e desce de passageiros e cargas – quando uma muvuca toma conta do barco – e quando os ribeirinhos se aproximam com suas canoas para vender camarão ou em busca de sacolas de supermercado com doações de roupas, jogadas pelos passageiros.
O verde da Amazônia é a companhia constante para tudo isso, e parece ser o combustível também. Quando a noite chega, as margens escuras se confundem com o céu e tudo some. Sobram as estrelas, é claro, mas elas não seguram a atenção por muitas horas. Sem nada para ver e depois de um dia inteiro usando os passatempos acima, só resta dormir cedo mesmo. Até porque não dá para abusar e correr o risco de perder o café da manhã gratuito na manhã seguinte.
Leia também:
• Belém-Manaus de barco regional – 1º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 3º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 4º dia
Comentários
Adorei teu relato! 🙂
Vontade de voltar!
Ano passado, fiz a travessia entre Tefé e Manaus, voltando de Mamirauá e foi uma das mais incríveis experiências da minha vida. Desde então estou querendo fazer essa entre Belém e Manaus e lendo seu relato só aumentou minha vontade! O modo de viver e conviver na Amazônia me encanta!
Gostaria de fazer essa aventura, aguardo comunicaçao e valos da passagem.