Meu roteiro pelo Irã teve lugares bem diferentes uns dos outros. Entre estes lugares estava um vale lindo, cercado de montanhas que chegam aos 2 mil metros de altura e que são escondidas de quase todos os poucos turistas que visitam o país.
Esse vale se chama Howraman (ou Oraman, Ouramanat, Hewraman e Hawraman, dependendo da fonte) e fica no Curdistão iraniano, bem na fronteira com o Iraque.
Vários motivos fazem com que regiões de fronteira entre países possam ser locais tensos. Relações ruins com os vizinhos, segurança interna, soberania e mais um mundo de coisas podem servir de desculpa para controlar rigidamente, militarizar e até fechar estas áreas, em casos mais extremos.
Não sou expert em relações exteriores iranianas, mas sei que a fronteira Irã-Iraque é um local com nervos à flor da pele, apesar de não ser fechado e dos países manterem boas relações há alguns anos.
Sei disso porque pesquisei a situação na área antes de ir para lá e vi que os relatos entusiasmados sobre as maravilhas das paisagens curdas sempre vêm com a recomendação aos viajantes para tomarem cuidado com a direção para onde apontam suas câmeras fotográficas, já que toda a região é vigiada e qualquer movimento que sugira um registro de montanhas que dividem os dois países pode render algumas explicações na polícia local – provavelmente sem consequências graves, mas com toda a incomodação que isso costuma significar.
Sabendo que deveria tomar este cuidado, contratei um motorista de táxi na cidade de Sanandaj (a capital do Curdistão iraniano) e fui ao vale. Ao longo de um lindo dia de sol, visitei vilas onde ainda sobrevivem hábitos antigos dos curdos, segurei o meu queixo diante de vários cenários, fotografei e comecei o retorno para o meu hotel.
Ainda no caminho de ida, vi que havia alguns postos militares na estrada entre Sanandaj e Howraman, fazendo um controle aleatório de carros que passavam por elas. No caminho de volta, o táxi onde eu estava foi parado num destes postos.
Eu estava com a consciência um pouco pesada, porque me senti à vontade nas vilas e fotografei as montanhas sem preocupação nenhuma, apesar de não ter feito tantas imagens quanto gostaria. Não tinha ideia se havia fotografado bordas ou não, então fiquei bastante nervoso quando o soldado que parou o carro abriu a porta do meu lado e pediu para ver meu passaporte, minha mochila e minha câmera – ainda que ele estivesse fazendo tudo de maneira calma e gentil.
Entreguei o que ele pediu e fiquei quieto, apenas escutando o motorista do táxi que explicava (em farsi) o que fazíamos na área, enquanto o soldado caminhava em direção ao interior do posto.
Alguns minutos depois, um outro militar, com pinta de ser o chefe geral, veio em minha direção. Me cumprimentou e me fez algumas perguntas sobre de onde eu vinha, por quais cidades eu havia passado e para quais iria. Em seguida, pediu para ver as minhas fotos na câmera.
Após ver algumas imagens, ele disse que era o suficiente. Então abriu um sorriso e, num inglês complicado, me pediu desculpas pela situação e explicou que eles precisavam fazer aquilo porque estávamos em uma região de fronteira e o controle de pessoas e a proteção do país eram o trabalho dele.
No final, ele devolveu meu passaporte e fez algo que eu nunca imaginava que pudesse acontecer: segurou minha cabeça com as duas mãos, me deu um beijo em cada bochecha, olhou nos meus olhos e largou um sonoro e entusiasmado “Good Iran for you!”.
Agradeci, fechei a porta e seguimos viagem.
Assim é o Irã.
Comentários
Caraca.. ninguém imagina esse cenário do Irã! Só bombas e coisas tristes. Parabéns pela viagem e posts! A leitura é sempre muito interessante e quando chega ao fim dá tristeza!!
hahahaha sensacional! primeira pessoa que conheço EVAH que ganhou beijos de policial iraniano! 😛 Que belo começo de sequência de posts iranianos, adorei.
E o policial era bonitão, Mari (segundo opinião da Márcia)! =)
Lindo início, e mal posso esperar pelo resto 😀
Excelente esse antepenúltimo parágrafo!
E esse rosto (curdo?)
Foto sensacional!
Parabéns!!
Ansiosa pelos próximos relatos
Adorei o relato. Muito interessada no total da história.
Muito legal a postura do oficial. Gostei mesmo de ler isso. Abraço e boa viagem.
olá gabriel que bom que gostou do Iran. realmente este país é riquisimo em cultura.
Grande início
Policial beijoqueiro Iraniano é boa.
@GusBelli
Fala Gabriel,
Sempre prefiro viajar por conta, descobrindo na raça os lugares, conversando com os locais. Porém, as vezes é bom ter esse tipo de precaução. Imagina se não tem o taxista pra te ajudar…perrengue na certa…kkk
Irado…abração