A lenda diz que os georgianos estavam celebrando a vida com música, comida e vinho (bebida inventada por eles) enquanto deus fazia a divisão do mundo entre os povos. A festa estava tão boa que eles perderam a hora e já não tinha mais nada liberado quando chegaram no escritório do divino para pedir o seu pedaço de terra.
Conformados com a situação, os georgianos voltaram para a gandaia e convidaram deus para ir junto. O criador topou (afinal já tinha encerrado o trabalho) e acabou vivendo momentos tão felizes com aquele pessoal que decidiu: a área que ele havia reservado para ele mesmo no planeta seria dada aos georgianos.
A Geórgia é virada em montanhas. Oitenta e cinco por cento dela é feita pelo Cáucaso, uma cordilheira que tem no mínimo 20 picos acima dos 4 mil metros de altura, com nada menos que 13 deles fazendo parte do país.
Com tanta montanha alta e sabendo que gigantes de pedra garantem cenários lindíssimos em qualquer lugar do mundo, ninguém precisa ir até lá para compreender a origem da lenda acima.
Mas ver a paisagem georgiana com os próprios olhos durante 14 dias e 1700 km de estrada faz você compreender a origem, concordar e ainda ajudar a espalhar essa história.
Nesse terreninho que quase foi do todo-poderoso, a região de Svaneti é a área que mais parece ter sido criada por alguém extremamente inspirado.
Ali, junto da montanha mais alta do país e também daquela que é considerada a mais linda e a mais perigosa do Cáucaso, estão vales que parecem irreais de tão perfeitos, com lagos, cachoeiras e rios que descem puros e cristalinos dos topos nevados, com cores outonais que chegaram a me dar angústia, porque eu sabia que não conseguiria traduzir aquilo neste bloguinho e percebia que minha câmera não captava o que eu via.
Um cenário que me fez inverter o clichê comparativo das paisagens: Svaneti não parece uma pintura, as melhores pinturas é que se parecem com Svaneti.
Ainda nos arredores da fronteira do país com a Rússia está outro clássico montanhoso da Geórgia: a cidadezinha de Stepantsminda, nos quilômetros finais da famosa Rodovia Militar Georgiana.
O cenário é diferente, as cores não são tão incríveis, mas a beleza dos picos, das nuvens com formações esquisitas em cima deles, do luar iluminando a neve e do golpe sórdido, vil e cruel que é a igrejinha solitariamente acesa em frente ao monte Kazbek (a primeira foto do post) me obrigaram a dormir de cortina aberta para aproveitar um pouco mais daquela vista, caso eu acordasse no meio noite.
E ainda existem muito mais montanhas, no norte, no sul, no centro, cada uma com seus vales, seus rios e suas paisagens. Até a capital Tbilisi entra nessa conta, com seus penhascos, morros e montes não tão altos quanto os de Svaneti, mas que ficam belíssimamente cobertos de neve nos períodos frios do ano, formando um horizonte maravilhoso para a cidade.
Seja pela lenda ou por qualquer outro motivo, os georgianos são bastante fiéis ao seu deus.
A Geórgia foi o segundo reino da história a se converter oficialmente ao catolicismo, lá no século 4º, quando ainda se chamava Ibéria e só tinha um pedaço do que é hoje.
Desde então, a região formada por vários reinos diferentes foi unificada, separada, invadida, dominada, destruída e reconstruída zilhões de vezes, por povos de todos os cantos, inclusive persas, árabes e turcos. Nenhum invasor, porém, foi capaz de impor sua religião nem de impedir os georgianos de praticarem o que parece ser o passatempo local favorito há 15 séculos: a construção de templos católicos ortodoxos.
A quantidade de igrejas e mosteiros espalhados nas cidades e perdidos pelo interior do país é gigantesca, muitos deles considerados Patrimônios da Humanidade e outros tantos colocados em pontos estrategicamente lindos demais, alguns inclusive escavados na pedra, com vistas que até fazem o sujeito pensar em virar monge, apenas para poder passar a vida bebendo vinho georgiano de frente para aquele visual.
Além de construírem igrejas e mosteiros em todos os cantos e em cantos abençoados pela natureza, os georgianos praticam sua religião ostensivamente (o que não impede os taxistas de roubarem nas corridas de/para o aeroporto da capital) e é comum encontrar senhoras totalmente cobertas andando pelas ruas. Eles também acreditam que são descendentes de Noé e têm São Jorge como padroeiro do país, com direito a uma estátua enorme do santo no meio da Praça da Liberdade, a principal de Tbilisi.
Exatamente nesta praça e exatamente onde hoje um dragão passa os dias sendo atacado por um São Jorge enorme e douradíssimo, ficava a última estátua de Lênin no país, derrubada em 1990.
Naquela época, a Geórgia estava prestes a sair das garras de um invasor poderoso que ficou lá dentro por 70 anos: a Rússia e sua União Soviética, que ironicamente patrocinou o período de maior terror quando era comandada pelo georgiano mais famoso do mundo e também o 2º ditador mais assassino da história, Josef Stalin, nascido a míseros 80 km de Tbilisi.
O que veio logo em seguida à liberação dos soviéticos foi um período de caos geral, com violência, guerras civis, separatismo, máfias, sequestros, corrupção e outras porcarias, em um país completamente quebrado e sem infraestrutura básica como água e luz.
Hoje é difícil de acreditar que esse período difícil aconteceu há apenas vinte e poucos anos.
A região da Cidade Velha de Tbilisi está caindo aos pedaços, sim, (e essa decadência é justamente uma das partes mais bonitas da cidade) e impressiona a quantidade de prédios, casas e postos de gasolina abandonados pelo interior do país, tão numerosos quantos as vacas soltas nas estradas. Mas a impressão geral que eu tive por lá era a de estar uma nação bastante desenvolvida e em crescimento, moderna, com a cabeça aberta, com arte por todos os lados (além de parreirais), com muita segurança e infraestrutura de dar inveja a muitos lugares que conheço aqui no Brasil, habitada por um povo simpático, hospitaleiro, educado – exceto no trânsito, como sempre – e louco para se livrar do passado russo e olhar para a União Europeia.
A Rússia, apelidada por lá de “o dragão no ombro”, ainda não conseguiu digerir esse namoro georgiano com o ocidente e Putin não esconde que pode colocar o pé na porta a qualquer momento, como já fez nos perrengues envolvendo Abecázia e Ossétia do Sul e vem fazendo com a Ucrânia.
A nós e principalmente aos georgianos, resta torcer para que este dragão também seja derrotado, igualzinho àquele do São Jorge. E que o festerê que conquistou deus lá no início dos tempos possa seguir com muito vinho e sem medos.
Comentários
Só posso concluir uma coisa: nenhum povo é normal ao volante. Belas fotos e belo post, cara.
parabéns Gabriel, muito bom!
Grande Gabe
Se superou, aquela imagem do pico cm neve e a nuvem fodassa
Como foi tua comunicação? Tentou em inglês mesmo?
Abraço!
@GusBelli
Valeu, Gus!
A comunicação foi fácil. Fui no inglês mesmo e deu tudo certíssimo. =)
Puxa vida.
Parabéns pelo blog. Conheci agora e achei o post e o país as coisas mais maravilhosas do mundo hehe.
Abração.
Incrivel o post Gabriel!!!!! Mais um destino exótico “descoberto” por sua causa…
Por falar em lugar exótico, estou indo para a Tanzânia no final do mês! Bora?!?! rs
Abraços
Não é que as fotos conseguem ser tão boas quanto o texto? Como vc consegue isso? Lindo post, super interessante.
Obrigado! =)
Fotos maravilhosas!! Que post incrível!! Imagino que a viagem deve ter sido mais ainda! Parabéns!! Quero comprar uma passagem e ir pra lá agora!! hehehehhe
To ansioso na espera do post “guia prático para Geórgia”… hehehe..
Araços!
Só uma palavra pra descrever a respiração em suspenso com esse post: UAU!!!!
Post muito bem feito com muitas informações sobre esse pais do caucaso. Fiz uma viagem saindo de Floripa-londres- Baku(azerbaijão), depois fui de avião para Tbilisi e de onibus para Yerevan(capital da Armenia) Os 3 paises apresentam muita historia, muita antiguidade, belos monumentos…Vale a pena viajar pelo Causaco….Parabens pelas belas fotos….
Nossa! Parabéns! Texto enriquecedor, me senti na Geórgia. Fotos belíssimas!! Estou conhecendo um georgiano faz alguns meses, e cada dia fico mais curiosa com a cultura, e por acaso cai aqui no seu blog. Adorei!! Espero um dia conhecer esse lugar lindo e cheio de história. Abraço!
Que bom que você gostou, Juliana! =)