(Este post foi publicado originalmente em 06 de agosto de 2010, no meu ex-blog.)
A melhor ação, investimento, loucura, aventura ou whatever da minha vida completa 10 anos hoje.
Em 6 de agosto de 2000, eu desembarquei em Praga (República Tcheca) sem data para voltar. Não pensava em ficar para sempre, nem em quando retornaria. Só queria viver aquela experiência pelo tempo que conseguisse, sabendo que seria fantástico mesmo se fosse um fracasso.
Depois de tudo que aprendi naquela viagem, virei o maior incentivador de chutes no balde entre meus amigos e vivo repetindo “Passe um tempo fora!”.
Para comemorar esta primeira década da minha aventura, quase fiz uma lista do aprendizado em solo boêmio, mas depois achei que isso ficaria piegas e saudosista. Então mudei e escrevi uma lista diferente, com argumentos para derrubar todos os seus medos de fazer o mesmo. Se eu conseguir que você olhe os preços das passagens para qualquer lugar do mundo, já ficarei alegrinho. Mas se você não resistir e acabar embarcando, aí, sim, eu vou me sentir feliz como um tcheco em uma cervejaria.
Vamos lá.
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“Já estou velho para isso”
Bobagem. Eu já era independente, pagava prestações e tinha compromissos financeiros sérios e longos quando fui. Nada disso foi prejudicado. Quer mais? Um ex-chefe fez o mesmo com 30 anos, meu irmão fez aos 37 e um tio e uma tia fizeram aos 50. Todos voltaram numa boa. Desculpe, mas idade não é empecilho para viver experiências enriquecedoras.
“Eu sou casado. É mais difícil fazer isso com duas pessoas”
Eu também era e só ajudou: foram duas pessoas trabalhando e economizando para viajar. E duas pessoas para dividir as contas do apê tcheco.
“Tenho medo de ir e ser esquecido no meu mercado de trabalho”
Você só vai ser esquecido se:
1 – Não tiver amigos no seu mercado;
2 – Virar um ermitão e deixar de se comunicar com todo mundo. Não sei se você percebeu, mas Facebook, Twitter, Instagram, Google+, Skype, Viber, Whatsapp e coisa e tal estão aí para evitar isso. E se pensar bem, você vai perceber que não vê alguns amigos há meses e nem por isso foi esquecido ou esqueceu deles. A gente costuma achar que o mundo muda horrores em um ano, mas não muda. Eu fui, vivi, aprendi o que era a vida, voltei e encontrei a minha cidade do mesmo jeito que deixei, com as pessoas nos mesmos empregos de sempre, como se eu nunca tivesse saído daqui. A única diferença era que eu, a partir de então, tinha a experiência de viver fora e inglês fluente.
“Tenho medo de voltar e não encontrar emprego”
Se você conseguiu juntar dinheiro para ir é porque tem um mínimo de talento e contatos para se colocar de novo no mercado. Além disso, vai voltar bilíngue e com mais experiência de vida do que a maioria dos seus colegas, o que é um diferencial para ser escolhido por empresas. Se mesmo assim você tem medo, economize um pouco mais para garantir algum tempo sem emprego na volta.
“Não quero ir sem ter algum objetivo que me faça crescer profissionalmente”
Aqui eu pergunto: e se você ficar em casa passeando pela internet, vai crescer quanto? Claro que uma experiência gringa fica ainda melhor com algum curso/estágio/emprego ligado a sua área. Mas não se prenda a isso. Lembre-se que a experiência de vida é o maior ganho. “Vida” é maior do que “trabalho”, sacou? E experiência de vida conta muito na hora de ser escolhido para um emprego (pelo menos por chefes com mais de dois neurônios).
“Tenho medo de não arranjar emprego para me sustentar lá”
Dependendo do seu destino e de quanto você conseguir economizar, é capaz de nem precisar trabalhar. Eu não trabalhei. Naquela época, o custo de vida tcheco era tão baixo que 800 dólares por mês sustentavam duas pessoas numa boa. Se este é o seu único medo, escolha o seu destino pensando em custo de vida baixo (Sudeste Asiático, Bálcãs…) ou mercado de trabalho aquecido. Se você conseguir juntar grana para se manter sem precisar de trampo, perfeito. Caso contrário, escolha um lugar onde você saiba que não é impossível se empregar. E não me venha com frescuras de exigir cargos de status! Escreva na sua testa (de trás para frente, para poder ler no espelho): “Eu não viajei para ganhar dinheiro, mas para ganhar experiência, conhecer pessoas, aprender culturas e novas línguas.” Ganhe o dinheiro que você precisa para não morrer de fome. O resto é lucro. Pense que esse desapego (temporário, vale lembrar) também faz parte das novas experiências.
“Eu não quero trabalhar ilegalmente em um país”
Então economize o suficiente para pagar um curso de qualquer coisa e escolha um país que permita que você trabalhe algumas horas por semana, nos intervalos das aulas. Ou vá atrás de algum estágio/emprego antes de sair. Ou escolha um país com custo de vida baixo e economize o suficiente para não precisar trabalhar. Ou arranje uma maneira de trabalhar remotamente, pela internet, e viva como turista.
“Não sei para onde ir”
Vá para algum lugar que você já conhece (e gosta) ou onde já tenha amigos. Ah, você não conhece nada e é um lobo solitário no mundo? Então escolha um lugar com o qual simpatize, economize e matricule-se em um curso qualquer. Mais cedo ou mais tarde você vai se enturmar, porque estrangeiros são como ímãs no exterior. Brasileiros, então, você encontra em qualquer lugar.
“Eu não posso ficar fora por 1 ano”
Quem disse que você precisa ficar 1 ano no exterior? Fique quanto tempo você quiser ou puder. Na minha temporada tcheca, aprendi que estas experiências novas têm momentos distintos. Sabe quando você faz milhares de fotos no primeiro dia das suas férias e depois começa a diminuir o ritmo de cliques? Em temporadas gringas também é assim: os primeiros meses são extremamente intensos, tudo é novo, diferente, curioso e maravilhoso. Mas depois as coisas se acalmam. Se não puder ficar nem 3 meses, fique apenas um. Já vai ser o suficiente para mudar a sua cabeça.
“Tenho medo de não me adaptar ao novo país”
Todos os viajantes estão sujeitos a isso, mesmo em simples férias. O pior que pode acontecer neste caso (além de uma diarréia por causa do seu intestino não adaptado) é você comprar uma passagem de volta e encurtar sua aventura. De qualquer maneira, você já terá vivido uma grande experiência.
“Que língua vou falar lá?”
Se você escolher algum lugar de língua bizarra, certamente vai encontrar uma cacetada de expatriados tão perdidos quanto você e, inevitavelmente, vocês vão se ajudar. Depois, naturalmente, você vai aprender o básico-raso-be-a-bá da língua e, aos poucos, vai conseguir estabelecer contato mínimo com os nativos. Eu fui para a República Tcheca, um lugar onde não se fala muito inglês fora dos pontos turísticos. Assim, o que eu mais tinha que falar por lá era tcheco mesmo. Óbvio que era um tcheco nível Tarzã (“Onde banheiro?”, “Quanto isso?”), mas sobrevivi. E se eu, que tenho inteligência mediana, consegui aprender isso, você consegue também.
“Vou morrer de saudades”
Ah, vai! Ô, se vai! Mas contra isso tem a lembrança de que você não vai ficar lá para sempre, tem o Skype, tem o Viber e tem até as lições que a saudade nos ensina. Além do mais, a saudade vai ser a responsável por um dos aspectos mais emocionantes de se viver fora: fazer com que parentes e amigos que nunca viajariam visitem você. Garanto que você nunca vai esquecer destes momentos. A saudade é gigantesca, mas passa. Já a experiência, ah!, ela fica.
“Eu tenho estabilidade e um bom nível de vida aqui. Não quero correr o risco de perder tudo”
Ô, pessimismo, hein? Momento auto-ajuda: se você alcançou a estabilidade, é porque tem talento e capacidade para reconquistar a mesma algum tempo depois de voltar. Pode ser que o seu salário caia um pouco (o meu caiu), mas é questão de tempo até você se recuperar totalmente. Essa perda momentânea não vai ser absolutamente nada perto da experiência de vida que você vai ter na volta.
“Tenho medo de ter que voltar para o Brasil”
E quem disse que você vai voltar? E quem disse que você vai querer ficar lá? Ora, não sofra por antecipação. Vá e veja o que acontece. Se tudo for uma maravilha, você vai ficar. Se a saudade bater, você vai voltar. Eu voltei morrendo de amores pelo Brasil. Voltei mais porto-alegrense do que o pôr-do-sol no Guaíba. Ia a shows de artistas locais como se eles fossem os Rollings Stones, tomava chimarrão como se fosse água, caminhava pelas maiores avenidas da cidade como se estivesse na Champs-Elysées. Quem garante que não vai acontecer o mesmo com você? Você realmente prefere deixar de viver essa experiência por causa de uma dúvida?
“Eu tenho filho(s)”
Se não for possível levar a molecada junto, espere até que ela cresça e volte para o primeiro ponto desta lista.
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Por enquanto é isso. Caso o seu receio não esteja contemplado aqui, escreva nos comentários. Se for possível, derrubarei e espancarei o coitado. Tudo para que você também tenha uma cidade estrangeira para chamar de sua.
(Lembrando: post publicado originalmente em 06 de agosto de 2010, no meu ex-blog.)
Comentários
Realmente não há desculpa para não fazer isso! Para quem não sabe, eu sou o irmão mais velho citado no “Já estou velho para isso”. Acabei de completar 14 meses fora do Brasil e assino embaixo de tudo que foi dito. Não há dinheiro no mundo que pague a experiência de vida que estou tendo aqui!
obrigada, PARA SEMPRE, por este post, em especial, que apareceu diante dos meus olhos exatamente hoje. NAMASTÉ.
Gabriel, excelente texto! Estou revendo meus conceitos neste exato momento e iniciando um plano para chute o balde!
Obrigado!
o/
Este é o meu sonho… viver de 2 a 4 anos fora, em pelo menos 3 países de continentes diferetes, porém não havia um plano de ação. Hj refleti bastante e resolvi começar a planejar de verdade; este post me incentivou ainda mais! Valeu!
TOP 10 deste post-foda: 1) Só queria viver aquela experiência pelo tempo que conseguisse, sabendo que seria fantástico mesmo se fosse um fracasso. 2) Virei o maior incentivador de chutes no balde. [Idem.] 3) Vivo papagaiando ‘passe um tempo fora’! 4) Desculpe, mas idade não é empecilho para viver experiências enriquecedoras. [Bingo!] 5) ‘Vida’ é maior do que ‘trabalho’, sacou? [Ganhou na Mega acumulada com essa.] 6) Esse desapego (temporário, vale lembrar) também faz parte das novas experiências. 7) Se não puder ficar nem 3 meses, fique apenas um. Já vai ser o suficiente para mudar a sua cabeça. 8) A saudade é gigantesca, mas passa. Já a experiência, ah, essa fica. 9) Pode ser que seu salário caia um pouco (o meu caiu), mas é questão de tempo até você se recuperar totalmente. Essa perda momentânea não vai ser nada perto da experiência de vida que você vai ter na volta. 10) Você realmente prefere deixar de viver essa experiência por causa de uma dúvida? [O melhor sempre fica para o final.] Eu já estava arrumando a mochila ANTES do post. Agora, já tô lá! Já embarquei, Gabi!!! Thanks, querido! Gracias por todo!!! Beijão, Gabriel!
Rá, sempre incentivando a chutar o balde. Dia 08/12 fez 2 anos que voltei de Portugal, melhor coisa que fiz na vida!
Depois de 10 anos no ritmo frenético do nosso mercado, senti necessidade de parar por um tempo. Coincidentemente (ou não), já tínhamos programado nossa primeira viagem à Europa para conhecer Paris e algumas cidades de Portugal (Porto e Lisboa, além de Guimarães). Voltei já pensando em voltar. Voltar pra conhecer mais lugares, sem tempo determinado pra ficar e voltar. Ainda penso em fazer isso. Quando, ainda não sei. Mas ainda farei. 🙂
Poxa vida!!!!
E agora, que desculpa vou dar?? *rs
Agora o negócio é só juntar um dinheiro (por causa do item “Eu não quero trabalhar ilegalmente em um país”) e pular no mundo!
Obrigada, Gabriel! 🙂
Muito bom o texto. Mas o único problema que vejo, é quando ainda se é universitário, dependente do dinheiro dos pais.
Aí não vejo como fazer algo do tipo.
E cara, na minha opinião você teve muita sorte, quando sua mulher aceitou chutar o balde com você e morar um tempo fora. Acredito que não existam muitos parceiros que abririam mão de uma vida estável, para ter uma experiência de vida dessas, infelizmente.
Ótimo blog Gabriel. Espero um dia ter dinheiro e coragem para fazer algo do tipo.
Um abraço!
Elton, de que área você é? Meu caro, hoje o Brasil possui muitos programas de incentivo a universitários para estudar fora do país. Veja Ciência sem fronteiras, pesquisas no exterior etc., etc. A área acadêmica é uma grande porta que leva ao exterior.
Sem um puto no bolso além daquele necessário para passar a primeira semana, fiquei 1 ano em Paris, estudando (pelas graças da universidade). Isso já tem 5 anos. Agora quero voltar, pra mais um tempo por lá. Sem ter como economizar (como sugeriu o Gabriel) para ficar um tempo fora e arcar com todas as contas, estou tentando conseguir algum jeito de ganhar esse dinheiro lá, legalmente. E dá.
Gabriel, essas experiências são muito, muito enriquecedoras. Assino embaixo de tudo o que disse.