Eu não costumo falar diretamente sobre política aqui no blog, mas, ao optar por não tocar nesse assunto, estou escolhendo falar indiretamente sobre ele.
Nas últimas semanas, tenho me questionado muito sobre até que ponto relações políticas devem influenciar as escolhas dos nossos destinos das férias.
Se você nos acompanha nas redes sociais, já deve estar se perguntando “… mas você acabou de voltar de Israel”. Confesso que, num primeiro momento, ponderei o convite, pensei nos conflitos e questionei um bocado de ideias preconcebidas. Entretanto, algo dizia que era importante ir além das manchetes dos noticiários e ver com meus próprios olhos como é a vida nessa região.
Nesse meio do caminho, veio a notícia de que o Trump acabara de ganhar a eleição nos Estados Unidos. Como um banho de água gelada, fiquei desanimada ao perceber como é possível um discurso de ódio tão forte ainda ter tanto poder, principalmente em um dos maiores países do mundo.
Não importa se ele cumprirá essas promessas questionáveis ou não, me preocupa o fato da simbologia de suas palavras jogadas ao vento ser apoiada por milhões de americanos. Abriram a toca do pior do ser humano: racismo, machismo, xenofobia.
Um muro simbólico. Um. Muro. Em 2016.
Logo fui acometida por um desânimo enorme e perdi a vontade de visitar o país ou até mesmo de falar sobre ele.
Nesse turbilhão de pensamentos, comecei a questionar até que ponto estamos dispostos a relevar esse tipo de acontecimento em prol das nossas férias ou até que ponto isso deve ser um fator relevante na hora das nossas escolhas.
Extrapolando as fronteiras dos Estados Unidos, pensei em destinos como Jamaica e Rússia e me vi caminhando por seus principais cartões postais e logo lembrei que meus amigos LGBTs não teriam a mesma “sorte” que eu e que ali poderiam correr um risco real de vida apenas por serem quem eles são.
De lá, viajei mentalmente para destinos que exploram o turismo sexual; super-predadores do meio ambiente; ditaduras radicais; sociedades onde as mulheres vivem em condições subumanas e não consegui chegar ao fundo do poço. Quanto mais cavoucava, mais me entristecia e me questionava sobre tudo isso.
A ideia aqui realmente não é sugerir nenhum tipo de boicote, e sim, ajudar a acalentar essa inquietude que tenho sentido nos últimos dias.
Se viajar também é aprender a conviver com o diferente, visitar esses cenários também faria parte do nosso amadurecimento pessoal?
Agora retomo a questão original deste texto: até que ponto esse tipo de medida política deve ou não influenciar nossas escolhas de férias?
Eu sinceramente não sei.
Difícil, hein!
Eu também não sei.
Vou esperar que os comentários nos ajudem a pensar.
Eu acredito que não deveria influenciar tanto assim, afinal se a pessoa só for para locais que reflitam a sua visão política, a pessoa vai acabar vivendo numa bolha. E não exatamente por este motivo de “sair da bolha” que viajamos?
É uma reflexão importante, Natalie. Sinceramente, não acho que visitar um determinado lugar signifique apoio ou simpatia por determinado regime — a Itália de Berlusconi não foi menos bela por ser governada por ele e Nova York no tempo de Reagan era uma cidade deliciosa. Mas é inegável que o boicote de milhões de turistas conscientes ao regime do apartheid, na África do Sul, foi um manifesto importante, na época.
Antes do impeachment, li muita asneira sobre Brasília. Gente que dizia que “apesar de não gostar do governo”, tinha achado a cidade “bacana”. Ganhei até um “cruz credo” como comentário numa foto do Palácio do Itamaraty no Instagram — logo o Itamaraty, uma das obras mais bonitas de Niemeyer. Pra mim, essas manifestações eram a expressão de uma politização de última hora, modinha tosca.
Eu pensaria duas vezes em visitar um país onde mulheres não são cidadãs, por exemplo. Ou onde haja leis racistas e homofóbicas. Não me sentiria bem. E isso tem me feito adiar viagens a destinos que queria muito conhecer.
Meu visto para os EUA, tirado no ano passado, ainda não foi usado. Vou pensar duas vezes antes de usá-lo, não porque eu ache que rever Nova York ou conhecer San Francisco possa significar alguma adesão a Trump, mas porque não quero que me encham o saco na imigração — aliás, é por isso que não vou aos EUA há 21 anos.
O mundo é grande, prefiro ir aonde sou bem vinda 🙂
Bjo
Cyntia
Olha, por convicções ideológicas alguns países estão sim fora do meu radar de interesse. E outros começam a sair também. Não quero visitar e gastar meu dinheiro em países que oprimem e massacram.
É uma reflexão importante, sim. Eu já deixei de viajar para vários países onde mulheres não são respeitadas, onde LGBT’s não são aceitos, e onde ditaduras imperam. Talvez mais por medo do que por preconceito. Mas a verdade é que o mundo está indo para a extrema direita. De novo. Conseguiremos reverter o quadro? Não sei, mas acho que se cada um fizer um pouquinho que seja, talvez sim. Eu só não sei se deixar de ir a estes países é a solução. Não é o caso dos Estados Unidos, claro, mas há países que o pouco que têm eles devem ao turismo.
Eu já pensei muito sobre isso. Tenho duas grandes dificuldades com isso.
A primeira é pensar onde coloco a linha. Definitivamente perdi a vontade de voltar a França por uns tempos por causa das leis do burkini. A homofobia na Rússia me incomoda. Os EUA, mesmo antes do Trump, sempre foram um país que fala muito de democracia mas apóia regimes super-repressivos, como a Arábia Saudita. Pensei muito nisso, e no final minhas viagens ficariam reduzidas à meia dúzia de países. E isso se eu não voltar 50 anos no passado e olhar crimes pelos quais eles nunca pagaram, senão não vou em nenhum.
A segunda é que fico pensando se ir lá não é melhor que boicotar. A Aung San Suu Kyi costumava pedir a turistas que boicotassem o país, mas agora ela acha que turistas trazem uma influência positiva. Já vi iranianos falando coisas parecidas. É muito fácil demonizar o outro, o que a gente não conhece, mas quando a gente conhece gente do mundo todo, a gente para de pensar em categorias como “todo mundo de país de 3o mundo é x”, “todo muçulmano é y”.
Claro que eu não iria para um lugar onde me sentiria ameaçada, e eu teria cuidados especiais em um país com leis muito repressivas. Em Myanmar, por exemplo, ativistas pedem que a gente não fique em hotéis que pertencem ao governo, tanto para não dar dinheiro para o governo como para ter contato com locais. Se você fizer essas coisas, acho que todo tipo de viagem é válida.
Eu conheci muita gente na Bósnia que aprendeu inglês e alemão por conta própria para aprender inglês sozinhos. E eles falaram como de vez em quando um turista perguntava “isso é assim aqui?”, e é algo que eles achavam que era daquele jeito no mundo todo. E agora com a internet, falando inglês, eles tem notícias sobre o mundo todo em jornais do mundo todo, conseguem conversar com gente de outros países.
Não que a Bósnia seja uma país para evitar (talvez a República Srpska, dependendo da sua opinião sobre a guerra), mas acho que o mesmo acontece em outros países.
Pensando um pouco mais sobre o assunto, se começarmos a deixar de visitar os países, quem está construindo o muro somos nós. As pessoas e os lugares não tem culpa dos governantes que tem, mesmo que uma parte da população os tenha eleito. Deixar isso acontecer é se influenciar demais por uma mídia tendenciosa ou então defender uma ideologia a ponto de ser ignorante, tão extremista quanto se repudia. O mundo está ai para ser visitado.
São tantos pontos e é muito importante essa reflexão. Há questões que, no meu rol de quesitos, fazem países diferirem na hora de serem, ou não, aniquilados da minha lista de desejos. Respeito diferenças culturais e religiosas, mas perde preferência países onde as mulheres não são respeitadas e/ou onde o risco é acentuado, onde mulheres tem a liberdade de ir e vir livre e desacompanhadas restringida, onde LGBTs são especialmente repudiados (pois discriminação é uma constante, mesmo no Brasil) ou considerados criminosos e onde ditaduras ditam o ritmo da vida. Alguns por conta de não desejar me expor a riscos desnecessários, outros por não querer que meu dinheiro contribua para o regime ou status do lugar, independente de suas belezas e atrativos. Por outro lado, não sou rígida e abri meu coração para Cuba, mas tomei o cuidado de dar preferência para hospedagem familiar, paladares e etc, fazendo com que minha contribuição fosse direcionada diretamente para as famílias que conseguem empreender, pois isso tem proporcionado uma desacomodação social e cultural. E a Rússia? Um sonho acompanhado de um ponto de interrogação. Honestamente, não sei se deixar de visitar países apenas por discordar para onde pende a politica, por exemplo, é legal. Há lugares em que o dinheiro do turista é o que sustenta o povo e somente ele, quem sabe, pode gerar condições de que reajam aquilo que consideramos que lhes seja injusto. Para moradores de muitos lugares nossa sociedade talvez possa ser considerada de vanguarda, mais aberta, mais tolerante e mais agrupadora – lembro de nós, um grupo de brasileiros, explicando conceitos de direitos previdenciários e sociais, além da função social do Estado, para um guia da República Dominicana. E a nossa visão de democracia, de liberdade religiosa, de feminismo, será que não a plantamos pelo mundo quando o visitamos, com nosso comportamento, nosso exemplo e nossas palavras? Ainda, será que viver o que lemos e vemos pela tv, mais de perto, conversando com locais e entendendo os alicerces que originaram tais situações também não contribua para nosso crescimento pessoal e como cidadãos? As viagens, mesmo as mais banais, contribuíram para a construção da mulher, lésbica, profissional, aprendiz de feminista e de democrata, mais livre que sou hoje, sem tantos “pré conceitos” arraigados. Tenho pensado sobre isso e amei teres lançado entre nós, viajantes, essa discussão.
Pessoa, muito obrigada mesmo por cada comentário deixado aqui ou no Facebook. Eu precisa abrir essa caixa de pandora, mas tinha muito medo do que poderia sair dela. Ao ler cada opinião e cada ponto de vista, tenho me sentido melhor e feliz por conseguir manter uma troca de ideias em tão alto nível <3