Com a reabertura do setor do turismo, comecei a acompanhar as novas medidas sanitárias que foram batizadas de “protocolos de retomada” ou “protocolos de segurança”.
O que mais me surpreendeu neste processo todo foi a volta do uso irrestrito e indiscriminado de um antigo vilão do meio ambiente: o plástico descartável. Tudo agora vem embalado nele: a toalha, o rolo de papel higiênico, o guardanapo, o copo de plástico descartável. Passamos a gerar muito mais lixo e não vemos políticas eficientes de reciclagem.
#SundayTalk | Uma viagem sem lixo é possível?
Mesmo com os constantes pedidos e orientações da Organização Mundial do Turismo, parece que ainda não conseguimos correlacionar assuntos tão urgentes como crise climática e pandemia.
Pensando nesse meu desconforto, busquei conversar com alguém cuja missão é compartilhar informações práticas que nos ajudam a diminuir nossa pegada de lixo. A Cristal Muniz é autora do blog Uma Vida Sem Lixo e referência quanto o assunto é como podemos evitar desperdícios e diminuir nosso impacto.
Como diminuir o lixo que geramos durante uma viagem? O que devemos rever nos nossos hábitos de consumo e comportamento enquanto tiramos férias?
A gente começa gerando menos lixo numa viagem levando coisas importantes na mala pra evitar alguns lixos no dia a dia dos passeios. Levar seus próprios cosméticos pra não usar as versões mini cheias de plástico dos hotéis; levar um kit lixo zero com talheres, canudo, guardanapos de pano, copo e sacolinha pra poder comer na rua sem precisar de embalagens descartáveis; conferir o que você precisa (escova de dentes, de cabelo, esse tipo de coisinhas) se realmente tá na mala (eu esqueço MUITO) pra não precisar comprar outro e ter um repetido na volta pra casa. Ter todas essas coisas sempre me ajudou a gerar o mínimo de lixo nesses eventos, porque eu tinha tudo que precisava comigo.
Outras coisas que faço sempre são: não emitir o bilhete físico de embarque e salvar a versão digital, não despachar bagagem pra não precisar daquela etiqueta gigante e não-reciclável (mesmo que a viagem seja longa, internacional); ter uma garrafinha comigo pra encher de água em qualquer bebedouro ou torneira e não precisar comprar nunca; uso cosméticos sólidos que facilitam MUITO nas viagens porque não vazam nem tem limite de ml (fica a dica!); pesquisar lugares que você quer visitar ou até comer caso tenha alguma restrição e salvar num mapa no seu celular > papel ocupa espaço e é mais difícil de usar, se você vir algum mapa legal pode tirar foto pra acessar depois no celular.
[Nota da editora: você pode usar nossos guia do Sunday e construir seu próprio roteiro usando o Google Maps]
Bom, mas isso tudo é preparação pra ANTES de ir viajar e isso acaba reduzindo muito o lixo gerado durante a viagem sim. Mas é justamente nossa relação com consumo que precisa de um olhar com mais cuidado, porque muita gente viaja e compra muita coisa sem nem pensar direito sobre o que vai fazer com isso depois. Acho mais interessante a gente pensar em experiências durante a viagem, que a gente vai guardar pra sempre, do que objetos que muitas vezes esquecemos logo depois de chegar em casa. Ou até que vai sobrar dinheiro pra gente comer coisas gostosas e diferentes. 🙂 Eu uso o mesmo critério pra compras em viagens que uso no meu dia a dia: me pergunto se preciso daquilo. Se é algo que estragou durante a viagem e preciso repor, se é algo que esqueci ou achei que não precisava e agora preciso, se acontece algum imprevisto.
Apesar dos esforços da Organização Mundial do Turismo ao criar a Global Tourism Plastics Initiative, a hotelaria tem usado cada vez mais plástico e materiais descartáveis como medida de prevenção ao avanço da COVID-19.
Por que isso deveria ser um ponto crucial no debate da “retomada do mercado de turismo”? E como nós, viajantes-consumidores, conseguimos questionar e pedir mudanças reais que gerem menos impacto no aumento do volume do lixo que produzimos?
Bem difícil, né? Até porque esse excesso de uso de plástico não significa, necessariamente, mais segurança. Mais e mais tem-se provado que a contaminação por COVID-19 tem muito mais a ver com o aerossol, no ar, do que com superfícies. Então embalar TUDO em plástico não resolve o risco de contaminação e gera um outro problema de poluição importante. Nada que álcool e lavar bem as mãos sempre não resolveria também na maioria dos casos. 🙂
Se você for viajar por agora e tiver TUDO na sua mala, também pode deixar um recadinho no quarto dizendo que não usou nada pra que não seja jogado nenhum item fora. Ou ler as instruções como de deixar toalha em x lugar significa que você quer que ela seja lavada. Eu gosto sempre de entender a dinâmica de onde vou ficar pra saber o que posso evitar de desperdício e lixo.
Pra mim é importante também pensar que nós temos voz e podemos deixar uma mensagem pro hotel que estivermos sugerindo usar menos plástico ou, no mínimo, ter lixeiras com separação nos quartos (é muito muito raro ver isso). Mas o nosso papel tem muito mais força onde a gente mora, como cidadãos, então não deixar certas demandas serem aprovadas – ou revogadas como no caso da União Europeia onde alguns países que tinham proibições pra plásticos de uso único voltaram atrás no começo da pandemia pela “segurança”.
Se você tem uma sugestão ou não gostou, fale. Só assim os lugares e empresas podem pensar em soluções ou mudar posturas – até porque normalmente eles não estão pensando em gerar muito lixo mas em dar um atendimento melhor pras pessoas. 🙂
Muito obrigada, Cristal!
Se você gostou desse breve bate-papo e quer se aprofundar mais no tema, reuni algumas matérias importantes:
- How coronavirus has affected plastic use in the hotel industry, no jornal brintânico Independent
- Covid-19 prolonga o uso de plástico na hotelaria, no blog Hotel Inspectors
- #SundayTalk | O futuro do mercado de turismo com a Professora Dra. Mariana Aldrigui
- Conheça mais sobre o trabalho da Cristal Muniz