Em minha recente viagem pela República Tcheca, tive a oportunidade de conhecer um dos lugares mais “chiques” da Europa: o balneário de Karlovy Vary, um recanto termal situado no extremo oeste do país. O motivo? Conhecer as cervejas da região em um roteiro promovido pelo CzechTourism e KLM 😀
Numa manhã ensolarada, levei 1h40 para chegar lá de carro, saindo de Praga. Um pouco menos que a viagem de ônibus, que dura 2h15 e custa apenas 6 euros.
Esse é um passeio agradável, que te leva por uma paisagem rural colorida de um amarelo brilhante, pelas plantações de canola a perder de vista e por hotéis com cara de castelo ao longe que, vez por outra, passam ao longe.
A história de Karlovy Vary
A cidade de Karlovy Vary tem uma história muito interessante. Sabe os celtas? Aquele povo que, hoje em dia, é totalmente associado com as ilhas britânicas? Pois bem, eles surgiram nesta região, quase mil anos antes de Cristo, e só depois migraram para lá.
Entretanto, foi bem mais tarde, entre 1346 e 1378, que a cidade floresceu graças ao Carlos IV, o monarca do Sacro Império Romano-Germânico. Daí inclusive vem o nome da cidade: Karlov Vary para os tchecos e Karlsbad para os de língua germânica.
Diz a lenda que o rei se encantou com os poderes curativos das águas termais quentinhas que brotam de 13 fontes por ali e passou a implantar melhorias e mais melhorias na então incipiente vilazinha.
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Karlovy Vary é tão bela que parece de mentirinha
Voltando para 2016, Karlovy Vary impressiona logo de início. Assim que chegamos, percebi que a parte antiga e histórica fica no fundo de um vale cortado pelo Rio Teplá (que também tem águas tépidas!). Do alto, o panorama é extasiante e lá debaixo também. Parece pintura, filme, quadro… qualquer coisa, menos realidade.
A área dita “turística” corre ao longo do rio, com um casario centenário colorido em ambas as margens e ao longo do calçadão batizado de Stará Louka. São construções ora dos séculos 18 e 19, ora do século 20, mas todas belíssimas, abrigando quase sempre lojas de grife, hotéis de charme, restaurantes descolados ou cafés com cara de filme europeu.
Opa, eu falei em filme? Pois saiba que aqui foram gravadas cenas de pelo menos duas grandes produções: As Férias da Minha Vida (2006), estrelando a cantora Queen Latifa, e Casino Royale (2006), encenado por Daniel Craig.
Em ambos os casos, o palco da ação foi o Grandhotel Pupp, uma imponente construção de 1701 que se tornou ícone da cidade e abrigou, entre outros, Johann Sebastian Bach, Ludwig van Beethoven, o rei Juan Carlos da Espanha, Karl Marx, Milos Forman e Lou Reed.
Hospedar celebridades e gente com a carteira recheada, por sinal, parece ser a sina de Karlovy Vary. A cidade é reduto de férias da classe alta tcheca e, principalmente, de russos que enriqueceram após o fim da União Soviética.
Andando pelas ruas, eu podia ouvir gente falando no idioma de Tolstói o tempo todo, então não estranhe se vir quase todos os letreiros e cardápios com tradução para o enigmático alfabeto cirílico. Isso é quase lei nesse lugar.
Mergulhe na cerveja!
Bem pertinho do Grandhotel Pupp, fica uma atração muito curiosa: o SPA da Cerveja (Pivní lLázně), mas não espere algo grande e luxuoso. Na verdade, o spa se resume a duas banheiras de madeira instaladas no porão de uma casa, ao lado de uma cama feita de palha de trigo.
Parece estranho, mas no final das contas, tem seu charme. Ali, visitantes podem se banhar em cerveja (quente) e lúpulo. Dizem que isso relaxa e até cura problemas circulatórios e de pele quando a terapia é repetida várias vezes (a 126 euros cada banho).
Eu preferi a terapia mais conhecida: beber a cerveja. Então me dirigi ao restaurante U Svejka, que fica ali do lado e é um dos mais famosos da cidade. Seu nome é inspirado no soldado Svejk, um personagem consagrado da literatura da República Tcheca, símbolo do bom humor e da argúcia do povo tcheco. Uma espécie de macunaíma eslavo.
No menu, os pratos mais tradicionais do país, incluindo o goulash, que eles juram ser originário dali (contrariando os húngaros). Só que o goulash tcheco muitas vezes é acompanhado de bacon – para alegria dos americanos e jornalistas brasileiros a serviço do Sundaycooks 😛
Há ainda outras iguarias igualmente saborosas, como o joelho de porco assado com mostarda, rábano e repolho, e os medalhões de carne de veado com molho de cranberries. Os pratos custam, em média, 180 coroas tchecas (R$ 30) e são acompanhados por alguma das cinco marcas de cerveja disponíveis.
E no final, a sobremesa mais pedida é o strudel, que o pessoal também diz ser dali, afinal, estamos nos sudetos, a região que, até a segunda guerra mundial, tinha maioria germânica em sua população.
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Sinceridade? Pule o strudel tcheco e adoce a boca nas barraquinhas de rua que vendem o trdelník, uma espécie de pão doce feito na hora, que pode ser recoberto de amêndoas e recheado com sorvete, geleias ou nutella. O aroma dessa guloseima nas calçadas de qualquer cidade tcheca é enlouquecedor.
As tumbas e gêiseres de Karlovy Vary
Saciada a fome e a gula por cervejas locais, parti para mais uma caminhada nos calçadões elegantes, agora em direção às fontes termais que tanta fama trouxeram ao lugar.
No percurso, dá para curtir pontos como a Igreja de Santa Maria Madalena, erguida entre 1733 e 1736 em estilo barroco. Ela tem uma cripta meio fantasmagórica, repleta de ossos de pessoas ali sepultadas em épocas imemoriais, além de uma capelinha e um nicho em que os fãs de geologia e arqueologia podem se divertir, vendo pedaços de rochas estratificadas retiradas do lugar.
Mas o bacana mesmo é visitar as várias termas. Há cinco principais, todas bem próximas umas das outras. Cada fonte termal tem em volta de si um prédio com características arquitetônicas diferentes, indo desde o aspecto romano clássico da Mlýnská Kolonáda até o art decó do Lázeňská Lékárna – hoje transformado em shopping center -, passando pelo estilo inconfundível e único da estrutura de metal trabalhado da Sadová Kolonáda.
Em todas elas você vai achar muita gente bebendo a água quente e meio salgada que brota das fontes que, para os locais, é quase milagrosa, curando desde insônia até acne.
Não deixe de passar pela Vřídlo, a fonte de água quente mais espalhafatosa do lugar, bem no coração da área de spas. Ela funciona como um gêiser, jorrando água mineral termal a até 12 metros de altura de tempos em tempos. São nada menos que 2 mil litros do líquido e 5 mil litros de dióxido de carbono a 72° C em cada um de seus espasmos que duram cerca de um minuto.
Afinal, e os banhos terapêuticos? Eles acontecem no interior das termas em piscinas ou enormes banheiras de todos os tipos. Os preços variam muito de terma para terma e conforme o pacote de benesses incluídas. A partir de 480 CZK (R$ 80), você já consegue um relaxamento na água sulfurosa e quentinha.
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Vai uma becherovka aí?
Uma coisa que me surpreendeu enquanto batia perna pelos boulevares, foi o número de celebridades que já viveram em Karlovy Vary, quase sempre imortalizadas em plaquinhas distribuídas pelas fachadas ou mesmo no chão (como se vê em frente ao Grandhotel Pupp). O compositor Antonín Dvořák, Mozart, Goethe, o imperador Pedro o Grande, da Rússia (ou, como era chamado pelos tchecos, “Petr Veliky”), entre outros nomes.
E, claro, Josef Vitus Becher… Não sabe quem é ele? Tudo bem, eu também não tinha a menor ideia até visitar Karlovy Vary, ainda que já tivesse provado uma vez de sua grande invenção: a Becherovka. Trata-se de um dos mais cultuados licores do mundo, produzido segundo uma receita secreta de 1805, com um leque de ervas exóticas e 38% de álcool. Uma fórmula que apenas duas pessoas sabem hoje em dia.
A família Becher, vale dizer, é celebrada constantemente pelos karlovivarianos. Eu percebi isso visitando a Becherplatz, minha última parada nessas belíssimas plagas. o local é uma pequena galeria com restaurante, loja de bebidas, de souvenires, uma cervejaria e o Museu Becher, onde é contada a saga da família e da sua afamada Becherovka.
Atenção: nem pense em dirigir após visitar Karlovy Vary. A visita ao museu Becher, por exemplo, pode ser regada a doses do licor tradicional, assim como dos outros criados pelo Jan, filho de Becher, e seus descendentes. Se você curte destilados, não deixe de provar (e comprar), por exemplo, o modernoso KV-14, sucesso absoluto nas baladas da Europa Central e quase impossível de achar fora dali.
E nada combina melhor com um licor que uma boa e refrescante cerveja! Pelo menos, é o que muitos tchecos apregoam. Por isso, ali em Becherplatz fica também a Karel IV (ou Carlos IV), cervejaria local que produz suas próprias variedades, algumas delas não filtradas nem pasteurizadas, o que reduz muito a validade, mas amplia os sabores, aromas e nuances.
Enfim, minha jornada findou-se com um brinde múltiplo de néctares de cevada claros, escuros, densos, refrescantes, frutados, achocolatados etc. etc. etc. e tal.
Um sacrifício em nome do bom jornalismo. Para que você, leitor do Sundaycooks, fique prevenido de forma exata sobre os deliciosos riscos que corre ao visitar a cidade mais chique e saborosa da República Tcheca 😀
Paulo Mancha D’Amaro
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[one_half_last]É jornalista e comentarista esportivo dos canais ESPN. Foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 30 reportagens internacionais e ganhou em duas ocasiões o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Dirige o blog Viajando Por Esporte.[/one_half_last]
Paulo Mancha viajou pela República Tcheca a convite do CzechTourism e da KLM.