A convite do Visit California, fui aos Estados Unidos no final de maio representar o SundayCooks em uma viagem por um bom pedaço do 3º maior estado daquela nação. A primeira parte dessa jornada você pode ver no post que fiz chamado “Roteiro de dois dias em São Francisco“, mas a viagem foi muito além da metrópole mais charmosa da região.
Uma road trip pela Califórnia
Depois de conhecer São Francisco, parti para uma road trip à moda dos beach party movies – aquelas deliciosas comédias românticas com surfistas e motoqueiros, que foram moda nos anos 60 e 70 (já ouviu falar de Frankie Avalon e Annette Funicello? Se não conhece os filmes deles, vá atrás!) -, meu rumo era Los Angeles e, neste primeiro trecho descrito aqui, a ideia era desvendar três célebres recantos: as cidadezinhas de Monterey e Carmel by the Sea, além da idílica 17 Mile Drive, que liga ambas.
Para ler ouvindo: Topanga Beach (“Muscle Beach Party” 1964)
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Dicas: saia cedo e use seu smartphone!
Saímos de São Francisco cedo, por volta das 8 horas, buscando a famosa California State Route 1, também conhecida como Pacific Coast Highway – uma das estradas mais cênicas do planeta, que acompanha as praias, penhascos e falésias de quase toda a costa da Califórnia.
Como você deve saber, dirigir nos Estados Unidos é um grande barato, mas é preciso ficar atento a algumas coisas, como está explicado no post 10 dicas para quem quer dirigir nos EUA.
Além dessas dicas, eu acrescento uma bem atual: esqueça os GPS das locadoras e use o Google Maps ou o Waze em seu smartphone. Além de informarem sobre as condições de trânsito, esses aplicativos estão sempre com os mapas atualizados, o que não acontece com os aparelhinhos que vêm nos carros de aluguel. Sem contar que é mais fácil programá-los e escolher a rota desejada.
Em nossa viagem, por exemplo, queríamos ir pela costa, nas rotas cênicas, mas o GPS do carro insistia em nos jogar numa autoestrada. Até a paciência acabar e optarmos de vez pelo smartphone.
Decidimos ir direto a Monterrey e, a partir de lá, trilhar a costa. Assim, pudemos chegar à cidadezinha antes do almoço e ir diretamente à sua maior atração: o Monterey Bay Aquarium.
Monterey e sua importância histórica
Antes de tudo, vale explicar a vocação desse vilarejo de 28 mil habitantes, encravado numa baía de águas calmas, de frente para o Oceano Pacífico.
Monterey foi capital da “Alta Califórnia” quando pertencia à Espanha, no Século 18. Depois, virou território do México, na primeira metade do Século 19 e, em 1846, passou aos domínios dos Estados Unidos.
Ela é um lugar histórico. Ali estão o primeiro teatro construído no estado da Califórnia, assim como a primeira biblioteca, a primeira escola púbica e o primeiro jornal. Apesar de nunca ter crescido em tamanho, a cidadezinha sempre teve destaque, atraindo para si moradores ilustres, como o escritor John Steinbeck, o cantor Frank Zappa e o ator e diretor Clint Eastwood.
A cidade também sedia anualmente um dos mais famosos festivais de jazz do mundo, o Monterey Jazz Festival e, em 1968, abrigou o Monterey Pop Festival, evento em que despontaram para o país ninguém menos que Jimi Hendrix, Janis Joplin e a banda The Who.
Durante muito tempo, o lugar teve vocação para a pesca, mas, nas últimas três décadas, tornou-se sinônimo de preservação da fauna, em grande parte graças ao Monterey Bay Aquarium, que, além de atração turística, é também um importante centro de pesquisas científicas.
Para ter ideia da importância do aquário, basta dizer que em todos os restaurantes de frutos do mar que comemos durante a viagem havia um selo no cardápio, conferido pela instituição, dizendo que o estabelecimento respeitava regras de manejo sustentável da fauna. Ou seja, os cientistas do aquário “fiscalizam” a procedência dos frutos do mar, garantindo que não sejam resultado de pesca predatória.
Mas e o Aquário em si? É bacana?
Sim, muito. São mais de 600 espécies de animais marinhos expostas em ambientes meticulosamente construídos para reproduzir seus habitats naturais.
Eu, particularmente, fiquei impressionado com a Kelp Forrest – algo que nunca tinha visto em nenhum outro aquário do planeta. Trata-se de um gigantesco tanque com uma floresta de algas coloridas, permeadas por cardumes de peixes diminutos. Mais do que uma exposição de vida marinha, lembra uma obra de arte dinâmica. Ao meu lado, centenas de crianças se divertiam com as lontras brincalhonas ou com os polvos curiosos, que se aproximam do vidro sempre que alguém chega por ali.
E o aquário também tem um trunfo sobre seus concorrentes mundo afora. Ao contrário de outros, como o de Sydney, o de Bangkok ou o de Valência, o Monterey Bay Aquarium está realmente à beira-mar, com vista panorâmica e ambientes naturais, repletos de animais bem à sua frente.
Um lugar delicioso para caminhar
Monterey, porém, é mais do que o aquário. Há dezenas de bons hotéis, restaurantes de primeira categoria e lugares agradáveis para passear, como o Fisherman’s Wharf (o antigo mercado de peixes) e a Cannery Row. Esta última é uma avenida onde, até os anos 70, ficavam os grandes armazéns das indústrias pesqueiras. Hoje em dia, os edifícios históricos são tomados por hotéis, lojas e restaurantes, num mosaico colorido e alegre.
Curiosidade: o nome da avenida é uma homenagem ao escritor John Steinbeck, que lançou em 1945 um de seus mais famosos romances, chamado Cannery Row.
Conhecidos os principais pontos da cidade, almoçamos no Jacks Restaurant & Lounge, anexo ao Hotel Portola. Olhando depois o cardápio, descobri que o forte desse restaurante é o jantar, ocasião em que dá as caras por ali o badalado chef Jason Giles – ex-cozinheiro de restaurantes do Vale de Sonoma, uma das regiões vinícolas da Califórnia.
Mesmo assim, encontramos pratos rápidos e corretos, como o Chilled Salmon Wrap (US$ 14), um wrap de salmão com pepino curtido, tomate, abacate, repolho de Napa Valley e molho de gergelim e alho.
Na dúvida, escolha o caminho mais longo!
Com o paladar refeito, caímos na estrada rumo a Carmel by the Sea. Como sempre nos Estados Unidos, há dois caminhos: o “rápido e sem graça” (geralmente uma autoestrada) e o “lento e belo” (as chamadas scenic routes). Escolhemos o segundo, claro, e ele atende pelo nome 17 Mile Drive.
A 17 Mile Drive é uma estradinha de 27 km que ladeia a península de Monterrey com as praias de um lado e um bosque do outro, cruzando os municípios de Pebble Beach e Pacific Grove até culminar na charmosíssima Carmel by the Sea.
Detalhe: Ela é fechada, ou seja, exige pagamento de US$ 10 nas cancelas em ambos os lados, dinheiro que é usado na preservação e melhoria de sua infraestrutura turística.
Em teoria, você cruza esses 27 km em 25 minutos, mas acredite, a teoria é devidamente atirada às profundezas do Pacífico quando se trata de um lugar tão belo, com tantos mirantes e inúmeros cenários implorando para serem admirados e fotografados.
Por esse motivo, levamos quase duas horas no percurso. Há paisagens incomuns, que se tornaram ícones da região como é o caso do Lone Cypress, ou “Cipreste Solitário” – uma árvore de 250 anos de idade que cresce absolutamente solitária sobre uma rocha que se ergue dentro do oceano.
Quando o vi, tive uma sensação de deja vu. E não foi à toa: o Lone Cypress é usado corriqueiramente como pano de fundo em filmes de cinema, programas de TV, comerciais e até mesmo pinturas famosas.
Se a vista para o lado do oceano encanta, o panorama oposto, do continente, surpreende ainda mais. Não bastasse a beleza do bosque que preenche a península, há centenas de mansões, chalés, campos de golfe e casas muito antigas debruçando-se sobre a vegetação, muitas vezes em rochedos aparentemente inatingíveis. Tudo preenchido com vida animal, sobretudo veados selvagens, esquilos e pequenos mamíferos de vários tipos.
No meio do caminho, áreas para piquenique e um bucólico centrinho de compras, chamado Pebble Beach Market, com lojinhas que vendem desde roupas de grife até as adegas com os bons vinhos de Napa Valley e Sonoma. Não resisti e torrei alguns dólares ali… Prepare-se para fazer o mesmo 😛
Carmel, a bela
O final desse trecho foi Carmel by the Sea, ou simplesmente Carmel, como os locais a chamam. Eu a conhecia apenas de nome, devido à notoriedade que ganhou no final dos anos 80, quando o ator Clint Eastwood se tornou seu prefeito.
Esse é um lugar especial. A cidade foi fundada em 1902 em torno de uma construção de 1771: a Carmel Mission, um complexo religioso erguido ainda no período da colonização espanhola. Hoje em dia, a cidadezinha tem apenas 5 mil moradores fixos, mas a população triplica em feriados, com turistas e milhares de americanos ricos que ali possuem casas de veraneio.
Vale dizer que é um recanto voltado para as artes desde seus primórdios e em 1910, sua população era composta em 60% por pintores, escultores, músicos e artistas de teatro. Por isso, não faltam galerias de arte e pequenos centrinhos culturais permeando suas ruas repletas de lojas de artesanato e presentes. Dá para se perder por horas dentro desses estabelecimentos (mesmos sem gastar um penny). Para não falar nas casas de arquitetura incomum que vi (e fotografei) por toda a orla.
Durma bem e barato
Gastronomia e hotelaria formam um capítulo à parte. A região possui 53 hotéis e pousadas, além de algumas centenas de casas para aluguel em férias e feriados.
Em um lugar tão chique, os preços me surpreenderam. Dependendo do período escolhido, dá para achar pousadinhas agradáveis, como a Carmel Wayfarer Inn, por apenas US$ 108 ao dia.
Nós ficamos em um estabelecimento sem luxos, mas confortável e com atendimento extremamente caloroso. É o Hofsas House Hotel, um hotel boutique de 38 quartos, pertinho do centro, com piscina, sauna e um amplo estacionamento (essencial por aqui, já que é difícil estacionar perto das principais atrações e, saiba disso, o transporte público não é o forte de municípios pequenos como esse).
Todo em estilo holandês, o Hofsas é gerenciado pela mesma família desde sua inauguração, em 1957 e os donos fazem questão de atender pessoalmente cada hóspede, dando dicas e cuidando de suas necessidades com uma simpatia ímpar. As diárias: a partir de US$ 138.
Assim como o Hofsas House, muitos hotéis de Carmel parecem ter um toque único, que os torna especialmente interessantes. Vide o Cypress Inn, com seu mural pintado com Charles Chaplin dentro de um coração. Ou o L’Auberge Carmel, da coleção Relais & Châteaux, instalado em um prédio de 1929, ao melhor estilo arquitetônico dos hotéis da Provença.
Delicias naturais à mesa
Restaurantes? São 125 ao todo, com todo tipo de culinária. E ainda mais de uma dezena de padarias e doceiras, com iguarias expostas na vitrine como se fossem obras de arte. Aliás, mais de uma vez durante a tarde e a manhã que passei em Carmel, me flagrei confundindo quitutes e guloseimas com artesanato! Um efeito curioso do capricho com que os confeiteiros locais tratam suas criações.
Nossa refeição mais bacana foi no Basil Seasonal Dining, um restaurante pequeno, situado numa vilazinha de casas convertidas em comércio. Ali, o premiado chef alemão Soerke Peters prepara apenas pratos com ingredientes locais, orgânicos e saudáveis, com algumas opções veganas, inclusive. Até as cervejas são orgânicas!
Assim como aconteceu em São Francisco, minha veia junkie despertou a desconfiança quanto a um cardápio tão “saúde”, mas, novamente, o sabor surpreendeu.
Pedi o spring aspargus ravioli e me vi diante de uma suculenta massa com alcachofras, ervilhas e aspargos dourados em uma manteiga das mais deliciosas (e sem cara de comida saudável… risos!). Tudo por US$ 18 – praticamente o mesmo preço cobrado por um prato individual em qualquer restaurante razoável de São Paulo (sem direito a chef premiado nem ingredientes livres de pesticidas).
Meus colegas de mesa ainda se refestelaram com os frutos do mar – os astros da culinária local, que eu não pude provar por ser alérgico. Elogiaram o grilled octopus, um polvo grelhado no ponto certo (segundo disseram), acompanhado de alface frisée, radicchio, favas brancas e pimenta shishito – também a US$ 18.
Carmel, a missão
O final da missão de desvendar Carmel foi… na Missão! Sim, na manhã em que deixamos a cidade, aproveitamos para conhecer a Carmel Mission, com seus edifícios centenários, carregados de história e um misticismo bem peculiar.
Seu nome oficial é Mission San Carlos Borroméo del Río Carmelo e ela foi a segunda iniciativa do tipo em toda a Califórnia. Em outras palavras, uma igreja construída por missionários católicos no meio do nada, com a finalidade de desenvolver a região e converter os nativos.
Incrivelmente bem preservados, os prédios com três séculos de idade abrigam hoje um museu, uma paróquia e uma escola. São considerados patrimônio histórico dos Estados Unidos e viraram palco de casamentos grandioso e eventos diversos, como lançamentos de carros e afins.
A entrada custa US$ 6,50 e permite visitar a basílica, que é pequena, mas muito bonita, os pátios internos superfloridos, os corredores coalhados de esculturas e uma mostra com os “tesouros da família Monterey”, compostos de obras de arte dos séculos 17 e 18.
Há ainda uma ampla loja de suvenires e de artigos religiosos católicos, para quem quiser materializar as lembranças.
Para os mais espiritualizados, a Missão enleva alma. Para os fãs de história (como eu), abastece o intelecto e enseja a curiosidade. Para todos, renova a disposição para continuar a road trip por uma das mais aprazíveis porções do território norte-americano.
Aguarde o próximo capítulo dessa jornada pela costa da Califórnia aqui no Sundaycooks 😀
Paulo Mancha D’Amaro
É jornalista e comentarista esportivo dos canais ESPN. Foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 30 reportagens internacionais e ganhou em duas ocasiões o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Dirige o blog Viajando Por Esporte.
Belo texto. Belas imagens.
Ficarei no aguardo da sequência….
Sônia
P.s. Puxa vida… alguém ainda se lembra de Frankie Avalon…. isso foi ótimo
Adorei a matéria, excelentes informações para quem está em viagem na Califórnia.
Parabéns pelo ótimo trabalho!!!
Obrigada 😀