Continuando a road trip pela Califórnia, depois de visitar Big Sur e San Luis Obispo, o grande Paulo Mancha pega o trem até Santa Barbara 😉
O expresso do surfe
Preciso confessar uma coisa: eu menti para você, caro leitor. Desde o começo desta série de posts, falei que se tratava de uma road trip, ou seja, uma viagem de carro, mas, na verdade, não foi bem assim.
No trecho de 160 km entre San Luis Obispo e Santa Barbara, nós abandonamos a rodovia e caímos na estrada de ferro. Experimentamos o Pacific Surfliner, trem da companhia Amtrak que faz todo o percurso entre São Francisco e San Diego.
O serviço da Amtrak foi impecável. Pontualmente às 6h55 a composição chegou à estação de San Luis Obispo e embarcamos em um trem moderno e confortável.
O Pacific Surfliner é silencioso, tem wi-fi, tomadas para carregar seu celular, tablet ou notebook e, se você optar pela classe business (US$ 53), ainda pode desfrutar livremente de café, muffins, biscoitos e outras gulodices.
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Me senti como os quatro amigos de The Big Bang Theory, exceto pelo fato de não trombar com nenhuma atriz famosa a bordo.
O melhor de tudo, no entanto, são as paisagens. O trem segue pelo litoral beirando as praias, inclusive em lugares ermos, onde visivelmente nenhum humano tem acesso. São duas horas e meia de uma viagem muito agradável – opção interessante aos que não querem dirigir o tempo todo.
Santa Barbara é Brasil!
Passava pouco das 9h da manhã quando o Pacific Surfliner nos deixou na simpática estação de Santa Barbara, nossa última parada antes de irmos a Los Angeles.
Não levou muito tempo para perceber que, de todos os lugares que visitamos nessa road/rail trip, este município de 88 mil habitantes era aquele com mais “cara de Brasil” (no bom sentido).
Praias extensas de areia clara, mar verdinho, quiosques na orla, bares de frente para o oceano. E o que mais agrada nossos conterrâneos: o clima. Por uma conjunção de fatores geográficos, Santa Barbara é bem mais quente do que tudo que vimos antes. Tanto que os locais a chamam de “Riviera Americana”.
Ao contrário das praias desertas de Carmel, Monterey e San Luis Obispo, aqui encontramos um clima de festa na areia, com gente se bronzeando, jogando vôlei e andando de bike. Sem contar as pistas de skate espalhadas pela cidade, dando um ar ainda mais jovem a esse recanto californiano.
A história de Santa Bárbara
Santa Barbara tem uma história muito interessante. Como outras cidades na Califórnia, ela surgiu em torno de uma missão católica durante a colonização espanhola, em 1786, mas passou ao domínio do México em 1822, após o país conseguir sua independência. Depois disso, ainda foi palco de uma das mais sangrentas batalhas da guerra entre Estados Unidos e México, quando virou território americano em 1846.
Arrasada pela guerra e por vários terremotos, tornou-se uma espécie de terra sem lei logo em seguida. Durante a Corrida do Ouro, na metade do século 19, ela só atraía aventureiros, bandidos e desajustados, a ponto de ganhar fama como um dos mais violentos pontos dos Estados Unidos.
Mas, por volta de 1880, o governo da Califórnia achou petróleo por ali e decidiu limpar o lugar. Sumiram os bandidos de verdade e vieram muitos de mentira: Santa Barbara tornou-se o berço do cinema norte-americano, muito antes de Hollywood. A maior parte das produções do cinema mudo tiveram suas filmagens ali, entre 1890 e 1920, até que os grandes estúdios se mudassem para o sul, para ficar mais próximos de Los Angeles.
Sua história ainda envolve um fato pra lá de curioso. Você já deve ter ouvido falar que os Estados Unidos não foram atacados em seu território continental na Segunda Guerra Mundial, certo?
Errado! Em 23 de fevereiro de 1942, a periferia da cidade foi bombardeada pelo canhão de um submarino japonês. Esse foi o primeiro ataque ao solo americano desde a guerra com os espanhóis em 1812, fato que levou pânico a toda Califórnia na época.
Essa longa e conturbada história deixou marcas na paisagem urbana, que hoje revela uma mistura arquitetônica capaz de unir desde o colonial espanhol do século 18 até o art déco de meados do século 20. Em outras palavras, a cidade é colorida, diversificada e nem um pouco monótona em termos visuais.
Uma tarde em Santa Barbara
Passei a tarde entrando em vielas e ruazinhas repletas de museus bacanas, como o Casa de La Guerra e o Santa Barbara Museum of Art. Recomendo ainda a visita ao Presidio Real de Santa Barbara e, claro, à Missão de Santa Barbara, que rivaliza com a de Carmel em termos de preservação, beleza e tamanho.
Se você viaja com crianças, vale a pena esticar até o divertido Museum of Natural History, onde os pequenos podem ver e aprender sobre centenas de animais. Achá-lo é fácil: há um gigantesco esqueleto de baleia-azul na entrada 😉
Para os que gostam de compras e gastronomia, não faltam áreas comerciais supercharmosas ocupando casinhas e antigas mansões, muitas delas com mais de 200 anos de idade.
Uma dica: vá direto a La Arcada, uma espécie de vila bem no meio da cidade, onde você pode passear, comprar, beber, comer e até tirar fotos com personagens famosos da política americana, como Benjamin Franklin, imortalizados em estátuas de bronze pelo caminho.
Beber e dormir em grande estilo
Os hotéis mais centrais também preservam o charme das construções antigas. Fiquei hospedado no Canary Hotel, da Rede Kimpton. Como é praxe nessa rede, nada de quartos padronizados, com ar impessoal. O interior do hotel remete ao século 18, com direito a camas com dossel e muita madeira escura entalhada.
O mais bacana desse hotel, contudo, é a piscina, frequentemente usada em casamentos e festas. Ela fica no terraço, com uma vista absolutamente inigualável de toda a cidade e das montanhas ao redor.
Se o centro é cheio de glamour graças ao passado, as áreas mais afastadas – antes redutos da indústria da pesca – têm ganhado cada vez mais atenção, sobretudo da galera mais jovem. Um lugar imperdível é o Funk Zone Art District, onde os antigos galpões das processadoras de peixe e frutos do mar deram lugar a galerias de arte, restaurantes, adegas e muitos bares.
A cultura descontraída do vinho
Fiquei impressionado com a força da cultura do vinho por ali. São vários estabelecimentos oferecendo degustações – e não pense que se trata de caves luxuosas, cheias de gente de nariz empinado. Nada disso: há lugares como o Municipal Winemakers ou o Santa Barbara Wine Colective em que o clima é descontração absoluta, com muita gente jovem, de bermuda e sandálias, experimentando os melhores rótulos da Califórnia sobre antigas bancadas de trabalho das fábricas ou em oficinas adaptadas para servirem como restaurantes.
Preciso dizer que lembro pouco do que se passou a partir da terceira degustação… Brincadeira, caro leitor, mas fique esperto: a tentação de provar tudo é grande!
Cervejarias artesanais também têm vez
E o pior (ou melhor): a região de Santa Barbara é também um reduto de excelentes fábricas artesanais de cervejas – fato que pude constatar na Figueiroa Mountain Brewing Co., um bar agitadíssimo, com decoração à moda do filme Easy Rider. São mais de vinte tipos de cerveja, acompanhados de petiscos, paquera, motos envenenadas e esportes americanos passando nas telas de TV.
Esse foi certamente o programa ideal para se fazer antes de uma boa noite de sono. Na manhã seguinte cairíamos de novo na estrada rumo ao ponto final da jornada californiana: Los Angeles.
Espero você no próximo post!
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Paulo Mancha D’Amaro
É jornalista e comentarista esportivo dos canais ESPN. Foi editor chefe da Revista Viajar pelo Mundo e repórter das revistas Terra e Próxima Viagem. Desde 2003, fez mais de 30 reportagens internacionais e ganhou em duas ocasiões o Prêmio de Melhor Reportagem da Comissão Europeia de Turismo. Dirige o blog Viajando Por Esporte.
Paulo Mancha viajou pela Califórnia a convite do Turismo da Califórnia.