Há meio século, a exploração espacial vivia o seu auge no imaginário público. Neil Armstrong pisava na Lua, o desenvolvimento dos programas aeroespaciais estadunidenses e soviéticos era peça central das tensões da Guerra Fria e diretores como Andrei Tarkovski e Stanley Kubrick captavam o fascínio do momento em obras-primas como “Solaris” e “2001: Uma Odisseia no Espaço”.
Apenas poucas décadas depois, estamos vivenciando a retomada dessa história, com as incursões espaciais retornando ao centro das discussões públicas — isto é, aos nossos feeds. Se antes olhávamos para fora da Terra em busca de esperança num conflituoso mundo pós-guerra, permeado por ameaças nucleares, hoje vemos a emergência climática colocar nossa existência em risco, bem como sociedades em estado permanente de crise.
Os homens por trás dessa recente mobilização em torno do tema são dois empresários bilionários: Richard Branson e Jeff Bezos. O primeiro deles tornou-se pioneiro entre os ricaços que investem nesta indústria a, de fato, voar ao espaço. Em 11 de julho de 2021, a sua companhia Virgin Galactic o colocou a bordo do avião espacial VSS Unity para uma viagem à borda do espaço, onde os passageiros experimentaram alguns minutos na órbita terrestre sob gravidade zero.
Recentemente a Virgin Galactic levou, pela segunda vez, três turistas para o espaço, mas mesmo com o sucesso das missões, o bilionário Richard Branson declarou que não pretende investir neste projeto no momento e por enquanto o projeto está paralisado para reestruturação devido aos desafios financeiros.
A empresa ainda mantém os investimentos da nova linha de naves que deve ficar pronta em 2026. Cerca de 800 pessoas já compraram passagens que variam de US$200 mil a US$ 450 mil para este projeto.
Outro que está na lista é o bilionário e fundador da Amazon marcar sua posição. Bezos embarcou no primeiro voo de sua companhia Blue Origin com seres humanos rumo à órbita terrestre. Ambas as iniciativas serviram para os empresários exibirem o poderio tecnológico que têm à disposição. Junto com Elon Musk, à frente da SpaceX, os três empresários têm sido considerados líderes na corrida do que tem sido chamado de turismo espacial.
Embora já utilizado desde os anos 2000, o interesse por esse termo tem crescido e, ao que tudo indica, assim seguirá por muito tempo. O que a expressão engloba? Basicamente, qualquer viagem espacial para fins de lazer. Hoje, é considerado como o primeiro turista espacial da história o empresário estadunidense Dennis Tito. Em abril de 2001, ele pagou para fazer parte da equipe de uma missão enviada à Estação Espacial Internacional, desembolsando cerca de US$ 20 milhões pelo privilégio.
Privilégio de poucos
As aventuras de Bezos e Branson foram sementinhas plantadas para o florescer de uma experiência que já passou a ser oferecida comercialmente: as viagens acima da Linha de Karman, limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior, 100 km acima da linha do mar. Elas são feitas em cerca de 10 minutos, em gravidade zero e oferecem um vislumbre da Terra restrito, até hoje, a poucos sortudos e superpreparados cientistas.
Mesmo com o esperado aumento de voos ao espaço, quem poderá acessá-los, sobretudo neste primeiro momento, seguirá sendo um grupo limitado de pessoas. Desculpe estragar seus planos de visitar a Lua ou Júpiter nos próximos anos. Pois, embora os bilionários por trás das empresas do setor falem em democratizar seus serviços, uma coisa não mudou desde a viagem inaugural de Tito: montantes exorbitantes de dinheiro movimentam o turismo espacial.
Se você quiser repetir a viagem recente da Virgin Galactic, por exemplo, terá de desembolsar, no mínimo, US$ 250 mil dólares por assento — o que já foi feito por cerca de 600 pessoas, como Lady Gaga e Justin Bieber, quando a companhia, nos últimos anos, comercializou voos futuros. A estimativa é que, quando a Virgin voltar a vender o serviço nos próximos meses o valor seja comercializado pelo dobro. Já uma das passagens para o voo com o Bezos foi arrematada por US$ 28 milhões de dólares.
E, em uma comparação mais terrena, podemos considerar essas viagens como uma carona de UberX à borda do espaço. Uma viagem à órbita, por cinco dias, na cápsula Crew Dragon, desenvolvida pela SpaceX, está sendo estimada na casa dos US$ 55 milhões de dólares, embora os preços oficiais não tenham sido divulgados.
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Futuro
Apesar dos preços fora da realidade e da incipiente consolidação dos voos espaciais tripulados, as análises indicam que o setor de turismo tem um novo filão a ser explorado nas próximas décadas —atraindo mais e mais pessoas, a um preço que, eventualmente, caberá no bolso de alguns poucos ricos (não mais apenas dos milionários e bilionários).
Há, inclusive, levantamentos que apontam para esse cenário. Segundo a consultoria Research and Markets, o turismo espacial deverá crescer 17,15% anualmente nos próximos 10 anos. Já a Euroconsult avalia que o espaço — enquanto indústria — deverá movimentar as mesmas cifras que, hoje, o turismo movimenta: cerca de US$ 1,5 trilhão de dólares.
“Esse é o sonho, certo? O espaço não é mais apenas para a NASA. Esperamos que existam tantos consumidores que, em um dado momento, o preço cairá, tornando isso acessível”, disse Kathy Lueders, chefe de voos espaciais humanos da NASA que supervisiona o desenvolvimento da cápsula da SpaceX, feita em parceria pelas duas instituições.
Enquanto empresários e agências espaciais têm uma visão otimista de futuro, há alguns contrapontos a serem feitos ao desenvolvimento do setor. Segundo Robert Goehlich, professor da Universidade Mundial Aeronáutica Embry-Riddle (Flórida, EUA), um acidente é uma das variáveis capazes de desacelerar todo o sucesso planejado.
Os riscos assustam. Até porque, por ora, eles serão assumidos única e exclusivamente pelos turistas espaciais, nos Estados Unidos. Desde 2004, o país tem uma lei aprovada pelo Congresso determinando que a indústria é autorregulatória. Portanto, como será que os interessados em partir para umas férias no espaço lidariam, sobretudo neste momento prévio à consolidação dos voos espaciais, com um acidente fatal?
Se olharmos para a história da aviação, vamos observar que as pessoas também eram céticas em relação a voar naquelas carrocerias gigantes movidas por hélices. Os entusiastas dos aviões, em alguns momentos do século passado, foram taxados de malucos ou mesmo idiotas. Os computadores também tiveram seu potencial mal avaliado enquanto emergiam, recebendo previsões, vistas de hoje, tão esdrúxulas como a de Thomas Watson, ex-presidente da IBM, que sentenciou: “Penso que exista um mercado mundial para, talvez, cinco computadores”.
Para Carissa Christensen, CEO da BryceTech, uma companhia de análises em tecnologia e indústria espacial, é possível que o turismo espacial siga esse mesmo caminho de assimilação, mas não podemos dar isso como garantido. Sobretudo pela falta de um vislumbre da queda de preços necessária na indústria. Virgin Galactic, Blue Origin e SpaceX nem ao menos anunciaram oficialmente quanto será cobrado nas passagens de seus próximos empreendimentos espaciais
Os primeiros passos das companhias, porém, estão sinalizados. A Virgin Galactic apresentou, no início de 2021, uma nova aeronave que pode ser produzida em larga escala. É um sinal para os possíveis clientes que, eventualmente, os custos cairão. Já Elon Musk está trabalhando no aumento da eficiência do combustível dos foguetes com o intuito de ter um sistema de lançamento totalmente reutilizável, o que reduziria o investimento para o envio de humanos ao espaço.
Há quem vislumbre um cenário em que o acesso de “pessoas comuns” a esses voos se dê somente por meio de sorteios de passagens ou de doações de assentos para entusiastas que não podem pagar, ao menos enquanto a indústria segue atrás de uma fórmula para baixar os preços. Apesar disso, Christensen crê que, como em qualquer mercado competitivo, em algum momento veremos os produtos melhorarem e/ou os preços caírem.
Enquanto isso, outras empresas, fora das três principais gigantes, se preparam para o futuro do turismo espacial. A Axiom Space, por exemplo, está se posicionando como uma espécie de agência de viagens espaciais, mediando o interesse para os voos nas cápsulas Crew Dragon. A empresa, que fica no Texas, tem planos de construir sua própria estação espacial. Outras companhias, como a RocketLab e a Boeing’s Starliner, anunciaram seus investimentos para também levarem seres humanos ao espaço.
Como escreve Joey Roulette, numa reportagem do The Verge, no momento, o turismo espacial está sendo controlado por dinheiro dos bilionários. Se essa indústria poderá crescer além do espetáculo, se tornando mais madura, irá depender menos de Bezos ou Branson realizando seus sonhos de irem ao espaço e mais da redução dos custos de construção dos foguetes e, claro, do preço que pagamos para voar em um deles.
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O turismo espacial é sustentável?
Ainda nem bem estabelecida, essa indústria já causa enorme preocupação em termos socioambientais. Já tratamos aqui sobre o impacto que o turismo tem para o planeta e sobre como a emergência climática tem de ser prioridade número um para todos, desde nós, reles mortais com nossos passos de formiguinha, até as grandes indústrias e países, em nível global.
E lançar foguetes e naves por aí, como de fato parece, tem impacto significativo no meio ambiente. Em 2010, por exemplo, a revista Geophysical Research Letters publicou um estudo indicando que o turismo espacial poderia aumentar o aquecimento global. A análise mostrou que o impacto de mil lançamentos sub-orbitais — como o voo recente da Virgin Galactics — de foguetes híbridos em uma única base poderia liberar 600 toneladas de carbono negro, por conta da queima de combustível fóssil. Como consequência, o aumento da temperatura na Terra poderia variar entre 0,4ºC e 1ºC.
E o cenário ainda pode piorar. Um dos autores do estudo, o pesquisador da The Aerospace Corporation, Martin Ross, afirma que uma taxa de 400 lançamentos anuais de foguetes (meta da Virgin para os próximos anos) traria uma emissão estratosférica de carbono negro podendo chegar, na realidade, a 800 toneladas ao ano.
Uma análise mais restrita à cadeia de viagens espaciais já realizadas mostra que são gerados gases de efeito estufa, dióxido de carbono, fuligem, vapor e uma série de partículas poluentes que podem permanecer na estratosfera e na mesosfera por dois ou três anos.
Quando estão na estratosfera, por exemplo, os óxidos de nitrogênio e produtos químicos formados a partir da quebra do vapor de água (este, por sua vez, gerado na combustão das aeronaves) convertem o ozônio em oxigênio, consumindo a camada de ozônio que protege a vida na Terra contra a radiação ultravioleta. As emissões de dióxido de carbono, fuligem e calor na atmosfera, por sua vez, contribuem para o aquecimento global.
Infelizmente, a expectativa é de que não precisemos nem ao menos chegar aos 400 voos anuais (e isso considera somente os planos da Virgin Galactic, lembremos) para sentir os efeitos indesejados dessa equação. Somente 100 viagens dessa natureza já seriam suficientes para percebermos os danos.
Como comparação: durante o período do lançamento, foguetes emitem de quatro a dez vezes mais óxidos de nitrogênio do que a maior termoelétrica do Reino Unido. Para levar quatro turistas para órbita terrestre, as emissões de dióxido de carbono são até 100 vezes maiores do que a carga de até três toneladas por passageiro em um voo de longa distância. Como Eloise Marais menciona neste artigo da Space.com, esses dados indicam a necessidade de que órgãos reguladores voltem suas atenções a essa indústria incipiente para controlar o nível de poluição que ela gera e os possíveis impactos na atmosfera terrestre.
Há quem se adiante e proponha sua própria versão de compensação. Sonya Diehn, em artigo publicado na DW, reflete: “Se as companhias de turismo espacial desejam realmente fazer jus às suas alegações verdes, sugiro o seguinte: para cada voo aeroespacial com turistas, que elas invistam uma quantia igual na proteção do clima. Desse modo, ricaços podem ter o barato deles, enquanto nós também tentamos consertar o clima. O turismo espacial só deveria ser possível em troca de uma megacompensação que garantisse um futuro nesta cintilante joia azul, verde e marrom. Afinal de contas, ela é a fonte das nossas vidas e o único planeta capaz de nos manter vivos”.
A argumentação da colunista é baseada na estimativa, calculada a partir das afirmações da Virgin Galactic, que apenas 1h30 no espaço equivale a 5 km em um carro. “Se a Virgin Galactic está adicionando toda essa quilometragem de emissões carbônicas por um simples passeio para seis pessoas, isso desvaloriza os esforços de proteção ao clima – tanto do ponto de vista pessoal como da política. A empresa de Branson diz que está atenta para a sustentabilidade ambiental – embora sem especificar o que isso envolve. Acho essa alegação muito duvidosa, sobretudo perante a pegada carbônica de seus voos”, segue Diehn.
Outros atores da indústria já têm respondido ao tema. Jeff Bezos tem afirmado que os foguetes da Blue Origin são mais amigáveis ao ambiente do que os de Branson. E, de fato, os seus são movidos a hidrogênio, sem emissão de dióxido de carbono. O problema, atualmente, é que o hidrogênio ainda é gerado através da queima de combustíveis fósseis — embora possa ser gerado de outras maneiras sustentáveis.
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Balança social
Além da agressão ao meio ambiente, o turismo espacial tem sido visto como produto da extrema concentração de renda e da desigualdade social com que convivemos hoje. Apesar do entusiasmo que viagens do tipo podem gerar, a fama de Bezos ou Branson como mauricinhos brincando com seus brinquedos cresceu.
Nos Estados Unidos, onde estão essas companhias, há milhões de cidadãos que não têm acesso ao sistema de saúde e vivem em situação de vulnerabilidade social. Qualquer olhadela em um jornal vai mostrar, inclusive, que a circunstância em outros países é ainda mais calamitosa. Então, é completamente compreensível entender que alguns enxergam nas idas ao espaço por lazer algo como egoísmo e desconexão com a realidade.
Há uma moral questionável, também, quando falamos na segurança das iniciativas. Como mencionamos, o setor ainda é autorregulado, com os indivíduos gerindo suas próprias responsabilidades de maneira autônoma. É assustador, portanto, ouvir do próprio Elon Musk que muitas pessoas deverão morrer no começo dos seus planos de colonizar Marte.
Kevin Cook, colunista do The Wall Street Journal, teme que tenhamos experiências como a do desastre do ônibus espacial Challenger, em 1986. Um ano antes da tragédia, a NASA decidiu levar uma “pessoa comum” ao espaço. Christa McAuliffe, uma professora de estudos sociais, foi a escolhida entre mais de 11 mil candidatos para acompanhar uma missão.
Assim, ela se tornou peça central de uns episódios mais infames da história recente dos Estados Unidos, quando o ônibus espacial explodiu, pouco mais de um minuto após o lançamento, enquanto as pessoas assistiam as imagens ao vivo na televisão. Uma tragédia enorme que manteve a imagem da NASA arranhada por algum tempo.
O ponto central daquela ocasião foi: é sabido que os executivos da NASA pressionaram para lançar o Challenger em condições climáticas desfavoráveis, após vários dias seguidos de adiamento. Uma noite antes, os engenheiros recomendaram esperar por um clima mais quente. A resposta recebida pela equipe foi: “Tirem seus chapéus de engenheiros e coloquem o chapéu da administração”. Pressionados, os engenheiros cederam.
Cook reflete: “O que acontecerá se os recentes triunfos dos bilionários levarem ao mesmo tipo de excesso de confiança e de tomada de atalhos? Imaginemos que uma dessas companhias assuma a liderança nas viagens espaciais. Quão intensa será a pressão nas outras? Em quanto tempo algum executivo irá dizer: ‘SpaceX está lançando hoje. Quanto tempo você quer que eu espere?’. Essa é a receita para decisões que matam astronautas — ou pessoas comuns em trajes espaciais”.
Há, porém, outro lado nessa balança. Mais do que um lazer multimilionário, o turismo espacial tem o potencial de trazer benefícios coletivos, como em pesquisas de microgravidade e no desenvolvimento de meios de transporte mais rápidos entre os continentes.
Nesse sentido, em entrevista ao The Late Show em julho de 2021, Richard Branson disse entender as críticas, mas afirmou que as pessoas não estão completamente cientes sobre o que o espaço pode fazer pela Terra.
Por exemplo: a exploração espacial realizada nas últimas décadas tornou comum o acesso a recursos de GPS conectados a smartphones, serviços de rastreamento do tempo e as pesquisas sobre mudanças climáticas. Os aparelhos científicos de computadores de bordo, câmeras e satélites, de certa forma, tiveram impacto no avanço dessas tecnologias para todos os cidadãos. E há a expectativa de que as tecnologias utilizadas no turismo espacial tornem a aviação civil mais segura e eficiente.
Talvez como uma espécie de escudo para as críticas, a Virgin Galactic anunciou que utilizará um de seus foguetes para colocar satélites comerciais e governamentais em órbita, por custos mais acessíveis. Grande parte da tecnologia da empresa também tem sido examinada por cientistas que poderão utilizar os dados para fazer pesquisas significativas sobre o espaço.
“Missões de passeio são excelentes oportunidades para testar o hardware de voo e conduzir experimentos reais no espaço. Como podem ser realizadas com mais frequência e baixo custo, essas missões menores fornecem experiências valiosas de treinamento para a próxima geração de cientistas espaciais, engenheiros e gerentes de programa”, explica Steve Arnold, vice-diretor executivo do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins e um dos parceiros da Blue Origin.