A rota do Bourbon do Kentucky, nos Estados Unidos

O Sul dos Estados Unidos guarda locais pouco explorados pelos viajantes. O Kentucky e sua rota do Bourbon é um exemplo que merece atenção.

Com diversas destilarias na região que cerca Louisville, o Kentucky não só deu origem a maior rede de frango frito do mundo, mas também é o berço da variação do whiskey, que é a única 100% americana e tem 95% da sua produção no estado.

Aliás, dizem que existe o equivalente a dois barris de Bourbon para cada morador do Kentucky.

O Bourbon do Kentucky

O Bourbon é um whiskey com cerca de 49% de álcool maltado com ao menos 51% de milho ao invés de centeio e teve sua origem no século 18 no Condado de Bourbon, em Kentucky.

O grão de milho é produzido ali mesmo pela região. Basta olhar o caminho até muitas dessas destilarias e você notará campos de plantações ao redor.

O milho é triturado e tornado em malte quando misturado na água, em grandes tonéis de ferro. O líquido então passa por diferentes processos de fervura e começa a produzir álcool. Dali o Bourbon é colocado em um barril de madeira.

Por lei estadual do Kentucky, o barril onde o líquido é armazenado depois de maltado deve ser novo, feito de carvalho branco e só pode ser usado uma vez.

Depois de ser preenchido com a bebida “crua” e incolor, o barril é armazenado por ao menos um ano, onde então o Bourbon ganha sua cor dourada e 60% do seu sabor enquanto envelhece.

No fim do período de envelhecimento, a bebida original do Kentucky está pronta para consumo.

Para manter a originalidade e ser classificado como Bourbon, nada pode ser acrescentado no processo de destilação além de água, sempre respeitando o mínimo de 51% de milho na composição.

Então o que difere o Bourbon do Kentucky do mundialmente famoso Jack Daniel’s? A bebida do Tennessee passa por um processo de filtração em um carvão de maple (o mesmo do xarope canadense), o que o descaracteriza como Bourbon.

Por isso, é então chamado de Tennessee Whiskey (só conferir no rótulo).

Além disso, o Bourbon não tem um prato específico para harmonizar. Por isso, desde um mousse de chocolate até bacon podem ser consumidos com a bebida sem que ela perca o gosto.

A bebida é tão celebrada no Kentucky que anualmente é realizado o festival Bourbon and Beyond.

O Festival, que em 2020 será realizado de 25 a 27 de setembro, reúne milhares de espectadores para 3 dias de shows com muita música e bourbon no Centro de Exposições do Kentucky, em Louisville.

Roteiro pela rota do Bourbon do Kentucky

A rota do Bourbon do Kentucky (em inglês Kentucky Bourbon Trail) tem 17 destilarias oficiais, apesar do estado ter mais de 70 produtores em seu território.

Dentre os locais que formam o roteiro oficial estão destilarias em Louisville, Bardstown, Shelbyville, Lawrenceburg, Cox’s Creek, Clermont, Loretto, Owensboro, Lexington e Versailles.

Por fazer fronteira com o Tennessee e Illinois, onde começa a Rota 66, a parada pelo Kentucky se torna um adicional que acrescenta (e muito) na experiência true americana.

A Rota 66, estabelecida em 1926, é o roteiro de estrada mais conhecida no mundo. Ela começa (ou termina) no píer de Santa Mônica, em Los Angeles na Califórnia, e se estende até Chicago, em Illinois, em um trajeto de quase 4 mil quilômetros de asfalto.

Dentre as principais paradas nos 8 estados estão o próprio Píer de Santa Monica, Oatman, uma cidade ao estilo “velho Oeste”, no Arizona, a Missão de São Miguel, a igreja mais antiga dos EUA, em Santa Fé, no Novo México, Amarillo, no Texas, o museu da Rota 66 em Clinton, Oklahoma, a Williams Store (a loja mais antiga em operação de toda a rota) em Riverton, no Kansas, Saint Louis, no Missouri, e Chicago, em Illinois.

A rota do Bourbon do Kentucky fica “fora” do circuito oficial da Rota 66. Por isso, caso você tenha uns 3 dias a mais para esticar a estada nos Estados Unidos (e um trocado extra para tours ou diárias), o desvio vale (muito) a pena.

A pedida é montar base em Louisville, ponto de partida da rota do Bourbon. Além de ser a maior e mais agitada cidade do Kentucky, a oferta de hotéis é maior.

Um “passaporte” é entregue em cada parada com espaços em branco para que o viajante receba o carimbo de cada destilaria. Ao final, quem completa a cartela ganha um brinde exclusivo.

Dentre tantas opções, escolha entre três ou quatro destilarias para fazer o tour, sem a pressa de cair na estrada novamente para poder degustar o Bourbon calmamente.

Enquanto estive na cidade fiquei no The Brown Hotel, um dos mais conceituados e antigos hotéis da região (e com um dos valores mais salgados também).

E em Louisville é onde você encontra o maior número de opções do que fazer. Aliás, passar pelo Muhammad Ali Center e conhecer toda a história de um dos maiores nomes do boxe e do Kentucky pode surpreender.

Assim como a rota da música do Tennessee ou o roteiro das casas de plantações de Louisiana, todo a rota do Bourbon do Kentucky deve ser feita pela estrada.

O ponto de partida oficial é o Frazier Museum em Louisville. Contudo, fiz o trajeto contrário, partindo de Saint Louis, no Missouri, e iniciei a rota do Bourbon em Owensboro.

De lá, além de conhecer a maior cidade de parada da Rota 66, basta fazer uma viagem de cerca de 4 horas para atravessar Illinois, com uma breve passagem de meia hora por Indiana, e você estará em Owensboro, no Kentucky.

Assim começou minha jornada por algumas das cidades que formam a rota.

Fábricas de bourbon no Kentucky

Primeira parada: a cidade Owensboro

Minha primeira parada na rota do Bourbon no Kentucky foi memorável.

O clima sulista dos EUA permeia toda a Owensboro, seja nos estabelecimentos, ruas ou nos moradores.

Imaginem uma cidade parada de caminhoneiros, daquelas que vemos nos filmes, onde quem frequenta usa boné, camisa xadrez, botas pesadas e tem o sotaque do interior.

Um sentimento que, talvez, seja comparado a alguém que nunca tenha saído de São Paulo ir pela primeira vez para uma cidade afastada do interior (daquelas com uma pracinha em frente a uma igreja do século 19).

Enfim, para as bebidas!

O ponto de parada em Owensboro foi a destilaria OZ Tyler. Uma introdução no tour de 10 dólares por pessoa, ou 5 dólares para pessoas que não forem beber (o motorista da rodada), explica todo o processo de fabricação do Bourbon.

De lá, observamos o processo de destilação quando o malte de milho se mistura a água dentro dos tonéis de ferro.

O cheiro de álcool que a mistura exala é tão forte que pode deixar algumas pessoas zonzas (tente não deixar celulares e câmeras muito próximos).

Uma paradinha no armazém onde ficam os barris cheios com o Bourbon sendo envelhecido ilustram a importância da bebida para o Kentucky.

Os depósitos ficam forrados de barris deitados que são colocados em longas fileiras pelas paredes e, por vezes, no teto.

Ao fim do tour, uma degustação da bebida ali produzida (não podia faltar) mostrou como provar e melhor apreciar o Bourbon, como um vinho francês (Oui! Oui!).

Esse modelo de tour é base para as demais destilarias que fazem parte da rota, mas cada uma tenta trazer um diferencial (continue lendo e você entenderá).

A OZ Tyler é uma destilaria rústica, quase isolada por seu entorno formado apenas por pequenas casas e celeiros.

O ambiente remete muito a uma antiga fábrica. Contudo, tudo é bem mantido e conservado.

O clima do Sul americano é completo se você optar pelo tour na destilaria com um almoço buffet ou a la carte no Moonlite Bar-B-Q, um dos restaurantes mais tradicionais de Owensboro (diz o dono que já recebeu russos na década de 60, durante a Guerra Fria O_O’).

Dali, uma dica é visitar o Bluegrass Hall of Fame Museum. Se você é fã de música a parada vale a pena.

Não bastasse se cercar de história de um dos estilos mais famosos e culturais, com origem no Kentucky, uma parte do museu traz diferentes instrumentos para os visitantes tocarem e fazerem seu próprio som (não se preocupe com a qualidade. Só aproveite para zoar um pouco).

No fim do dia (depois de uns bourbons na cabeça), passei uma noite no Hampton Inn & Suites, um hotel simples, mas prático e com café da manhã.

Segunda parada: Bardstown

Com mais duas horas de estrada a partir de Owensboro, chegamos a Bardstown.

Lá encontramos a destilaria mais famosa da cidade: a Bardstown Bourbon Company.

O local deixa de lado o aspecto rústico que vi no OZ Tyler e traz um ambiente moderno e, surpreendentemente, refinado para a rota do Bourbon do Kentucky.

Acabamento de mármore, painéis de vidro, toalhas de mesa e paredes brancas. O local traz um aspecto luxuoso para toda a experiência do Bourbon.

Novamente, um tour guiado conta todo o processo de destilação, porém com uma estrutura mais ampla e moderna.

No final do passeio, você mesmo pode extrair o Bourbon de um barril e provar da bebida “direto da fonte”.

O almoço pode ser ali mesmo no restaurante do Bardstown Bourbon Company, o Bottle & Bond Kitchen and Bar (indico um hambúrguer acompanhado de uma bebida de bourbon com laranja chamada Old Fashioned).

A dica de parada em Bardstown, fora da rota do Bourbon, é o My Old Kentucky Home State Park, um antigo casarão do século 18, convertido em um museu da história do estado (não são permitidas fotografias de dentro da casa).

Terceira parada: Lexington

A uma horinha de estrada de Bardstown está Lexington.

Diferente das outras duas cidades em que passei primeiro, Lexington já traz o cenário de cidade grande para a rota do Bourbon do Kentucky. (Reserve seu passeio de um dia em Lexington pela Bourbon Trail com a Get Your Guide)

Além das destilarias tradicionais, a cidade concentra muitos bares e pessoas mais jovens, principalmente no Distillery District.

A região abrigava a antiga James E. Pepper Distillery que foi abandonada na década de 50 e então transformada no ponto de parada de centenas de pessoas para o Happy Hour, com a construção de bares e restaurantes que também servem Bourbon.

A mescla de ambientes de antigas fábricas com a vida noturna de Lexington deixa a rota, até então tranquila, bem agitada.

Vale a pena passar e conferir a vida noturna que movimenta a segunda maior cidade do Kentucky.

Ah, por ser uma cidade maior, Lexington tem uma boa oferta de hotéis à disposição de quem quer aproveitar um pouco mais.

Fiquei no Hyatt Regency Lexington Downtown que tem acesso direto do lobby para a Rupp Arena, o ginásio de basquete da cidade.

Para o café da manhã, antes de continuar rumo a Louisville, uma parada com boa comida e clima aconchegante é o Thristy Fox at Zim’s Café.

Última parada: Louisville

Por fim, mais uma hora e meia no asfalto e chegamos na capital Louisville, o ponto inicial (ou final, no meu caso), da rota do Bourbon do Kentucky.

O Frazier Museum marca o ponto de partida da rota e é um museu “mistureba”. O acervo tem de tudo um pouco, desde miniaturas de exércitos de diferentes épocas até armas de fogo da Guerra Civil dos Estados Unidos e armaduras de samurais japoneses.

Louisville também é a casa do boxeador Muhammad Ali e do baseball e cada um tem um museu dedicado. O Muhammad Ali Center e o Slugger Museum & Factory são dois locais adicionais que podem ser interessantes aos fãs de esportes.

O primeiro mostra toda a trajetória de um dos atletas mais famosos do boxe e o segundo, além de homenagear os maiores jogadores de basebol da história, é a fábrica de quase todos os tacos utilizados no mundo inteiro.

Novamente, para as bebidas!

Em Louisville a visita na destilaria Evan Williams é (quase) obrigatória para quem está fazendo o roteiro etílico.

A marca é uma das mais antigas destilarias do Kentucky e fica próximo a região central de Louisville. O prédio onde fica a Evan Williams parece um local comum, em meio ao quarteirão e sequer parece com as fábricas que eu havia visitado até então, trazendo uma característica mais urbana.

Além do tour guiado convencional pelas instalações e a degustações da bebida, a Evan Williams tem um bar subterrâneo da época da Lei Seca americana.

O período de proibição durou de 1920 a 1933 e, simplesmente, baniu toda a produção e consumo de bebidas alcoólicas em todo o território americano (nada de cervejinha com os amigos no fim de semana. Já pensou?!).

Assim, para as pessoas fugirem da lei, foram criados bares clandestinos, em sua maioria escondidos nos fundos ou porões de restaurantes. Chamado de speakeasy, esse tipo de bar mantém a característica de ser escondido e o jeitão de antigamente.

Caso você opte pelo passeio com direito a um tempo no speakeasy, dá para curtir uma harmonização de Bourbon com alguns chocolates a base da bebida ali mesmo (agora sem medo de poder ser preso).

Cada destilaria da rota do Bourbon de Kentucky tem sua lojEnha (roubei da Natie) com os diferentes rótulos produzidos em cada uma delas. Se beber ali mesmo na destilaria está fora de questão, compre uma garrafa e curta em um momento apropriado.

Chegando em Kentucky a partir do Brasil

Voar para o Kentucky a partir do Brasil é, relativamente, simples.

O melhor caminho é pegar um voo da Delta Airlines partindo do Rio de Janeiro ou São Paulo em direção a Atlanta, o local mais próximo com voo direto.

De lá, uma conexão doméstica para Louisville te leva direto ao coração do Kentucky.

Chegando em Kentucky pelo Tennessee

Se você caiu na estrada pelo Sul dos Estados Unidos e já passou pela rota da Música do Tennessee então fica mais fácil seguir para o Norte a partir de Nashville.

Depois de percorrer 3 horas de carro ou moto, você chega na capital do Kentucky e pode começar a rota do Bourbon.

Chegando em Kentucky por Chicago

Se estiver afim de fazer algumas paradas mais compridas quando está pegando a Rota 66 a partir de Chicago, Illinois, dar uma passada por Kentucky é uma opção.

Com cerca de 4 horas e meia de estrada você chega em Louisville e pode aproveitar para provar o Bourbon da destilaria Evan Williams.

Tours em grupo

Empresas como a Mint Julep Experience fazem tours entre as 17 destilarias da rota, variando de 750 reais a 350 reais por pessoa por passeio conforme as destilarias, com pacotes que podem ser contratados no site oficial da empresa.

Cada passeio visita 3 destilarias por dia e inclui as entradas, a degustação (oh yeah!) e o almoço. Cada visita tem duração aproximada de 1 hora e meia. Os tours da rota do Bourbon de Kentucky da Mint Julep Experience partem do Omni Hotel, em Louisville.

Se você não estiver afim de seguir um tour em específico, cada destilaria oferece visitações e degustações independentes que são realizadas durante os horários de funcionamento. Só chegar. As reservas e horários agendados são feitos para grupos maiores ou no caso de experiências customizadas.

Clima e a melhor época para fazer a rota do Bourbon

O Kentucky não foge à regra de outros destinos nos Estados Unidos e tem estações climáticas bem definidas, com frio intenso no inverno, podendo chegar a -6 ºC em janeiro, e calor no verão, com picos de 30,5 ºC em julho.

Apesar dos choques de temperatura, a rota do Bourbon pode ser feita em qualquer momento do ano, já que a produção da bebida não para.

A dica, para evitar um frio ou um calor muito intenso, é visitar a rota entre maio e junho e setembro (mês do Bourbon and Beyond) e outubro, evitando os extremos das temperaturas e curtindo um clima ameno.

Rota do Bourbon do Kentucky de carro ou moto

Se liberdade e mais tempo entre as paradas é seu estilo, então a pedida é dirigir ou pilotar pelas estradas do Kentucky por si. (Compare ofertas de aluguel de carro em Louisville aqui).

Fazer a rota do Bourbon do Kentucky enquanto percorre a Rota 66 é uma boa opção de itinerário, mas longe de ser a única alternativa.

Quem está afim de explorar o Sul dos Estados Unidos de carro, saindo de Nashville (Tennessee) ou Atlanta (Georgia), tem também fácil acesso para o Kentucky.

Aliás, vale fazer o combinado com o road trip pelo Sul dos Estados Unidos publicado pelo Fred.

Em uma roadtrip diferente pelos EUA, dá para casar um roteiro partindo de New Orleans, em Louisiana, e passar pelas cidades mencionadas (com tempo de sobra fica ainda melhor).

Se você optar por passar em cada lugar por conta é estar acompanhado de outro adulto que possa dirigir depois, ou comprar uma garrafa e aproveitar juntos fora da estrada.

Ao longo da estrada não há muitos pontos de interesse para parar além de cidadezinhas. Porém, o tempo dirigindo dentro do Kentucky é curto.

São apenas 4 horas de estrada entre as 4 cidades que passei.

Além disso, o trajeto parece ainda menor quando apenas apreciamos a calma das estradas sem buracos ou paradas de pedágios.

Leonardo Neves viajou a convite do Travel South USA e da Delta Airlines para participar do evento International Showcase 2019 representando o Brasilturis Jornal.